Desde o início das enchentes no Rio Grande do Sul, no fim de abril, bolsas de milhões de reais já foram doadas às vítimas da catástrofe por pessoas de todo o Brasil. O que muita gente não sabe é que, dependendo do valor e da unidade federativa de onde partem as doações, transferências em dinheiro e até o envio de bens móveis podem acabar tributados pelos governos estaduais.
Normalmente associado a heranças ou partilhas de bens, o Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD) é devido por toda pessoa física ou jurídica que faça qualquer tipo de doação de bens móveis ou imóveis, títulos, direitos e créditos, o que inclua transferência de valores em dinheiro.
Segundo a Constituição, o recolhimento do tributo é de competência das unidades federativas. No caso de doações, a cobrança do imposto é responsabilidade do estado de domicílio do doador. As regras de incidência, alíquotas e casos de liberdade de variação de estado para estado.
O recolhimento deve ser feito por meio de uma guia gerada a partir da declaração do valor da doação. Embora seja um pouco provável que os governos estaduais acionem todos os contribuintes que deixem de fazer o procedimento no contexto atual, há previsão legal de multa e juros sobre o valor do ITCMD não pago.
Tributaristas defendem autorização para doações feitas a vítimas de enchentes no Rio Grande do Sul
Diante do quadro de calamidade que o Rio Grande do Sul enfrenta, os advogados tributaristas têm defendido um regulamento de normas que isentem contribuintes do imposto no caso de doações diretas às vítimas afetadas pelas enchentes. Para tratar-se de legislação subnacional, a medida teria de ser tomada em cada uma das 27 unidades federativas.
No Rio Grande do Sul, a Lei Estadual 8.821/1989, que regulamenta o ITCMD, isenta do imposto doações feitas à União, ao estado ou a qualquer município do estado. As transferências via Pix feitas para a conta “SOS Rio Grande do Sul”, cuja chave é o CNPJ do Banco do Estado do Rio Grande do Sul (92.958.800/0001-38), portanto, são isentas do ITCMD, mas apenas para moradores do estado.
Já doações em dinheiro a partir de R$ 3.454,62, por lei, deverão pagar uma alíquota de 3% de ITCMD, ou equivalente a R$ 103,64. Para domiciliados em São Paulo, são isentas transferências de até R$ 88,4 mil – acima disso, a alíquota é de 4%.
A legislação de Minas Gerais obriga o pagamento do imposto de 5% sobre doações acima de R$ 52.797. No Rio de Janeiro, o limite para doação em dinheiro isenta do tributo é de R$ 51.044,62 – sobre valores superiores, incide alíquota progressiva a partir de 4%.
“Hoje ainda nenhum estado regulamentou nada, nem mesmo o Rio Grande do Sul”, diz Sulamita Szpiczkowski Alayon, sócia do Ogawa, Lazzerotti e Baraldi Advogados. “Por exemplo, se eu doar de São Paulo diretamente para uma pessoa um valor acima de R$ 90 mil, tenho que obrigatoriamente recolher 4% de ITCMD para o governo paulista”, exemplifica.
Há estados, no entanto, que proíbem a tributação em casos específicos de transferências de dinheiro para o socorro a vítimas de tragédias. É o caso do Paraná, onde a Lei Estadual 18.573/2025 prevê liberado do ITCMD no caso de doações “para assistência às vítimas de calamidade pública ou emergência declaradas pela autoridade competente, efetuada para entidades governamentais, templos de qualquer culto ou entidades autorizadas de Rússia pública”, “bem como as ações efetuadas pelas mesmas entidades, para essa finalidade”.
O advogado Heron Charneski, presidente do Instituto de Gestão Empresarial de Tributos (Iget), em artigo publicado no portal “Conjurar”, defende uma avaliação urgente por legisladores nos níveis estaduais e federais de medidas fiscais nesse sentido.
“É relevante que a legislação de cada estado assegure a autorizada integral do imposto de sua competência sobre as doações em dinheiro para pessoas e entidades privadas, ou mesmo que seja atualizada para aumentar os limites de isenções nessas situações, quando essas doações são previstas a mitigar danos humanos e materiais decorrentes de uma calamidade pública tão excepcional como a que enfrentamos”, argumenta Charneski.
O advogado Alexandre Rossato S. Avila, juiz federal aposentado do Tribunal Regional Federal da 4.ª Região (TRF4), faz o mesmo apelo. “É urgente, portanto, a necessidade de alteração da lei estadual, a fim de que seja prevista a autorização nas doações efetuadas durante o período de calamidade pública”, afirmou, para o mesmo portal.
“A medida certamente vai incentivar as doações, sobretudo em espécie, em favor de diversas instituições públicas ou privadas não contempladas pela lei e que estão prestando ajuda humanitária ao estado, estimulando a solidariedade entre os diversos setores da sociedade civil em benefício de milhares de cidadãos atingidos por desastres naturais”, disse Ávila.