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Neoindustrialização e o mercado interno – 30/05/2024 – André Roncaglia


O sucesso de uma política de desenvolvimento residir na capacidade do Estado em desenhar instrumentos e entregar resultados.

Em texto recente, Mariana Mazzucato e Rainer Kattel destacaram que uma agenda transformadora exige repensar processos e ferramentas da política pública, a saber: o investimento nas capacidades organizacionais das agências públicas. Dentre estas capacidades estão as compras públicas.

O Ministério da Gestão e Inovação em Serviços Públicos (MGI) vem desenvolvendo, desde final de 2023, uma “Estratégia Nacional de Contratações Públicas” (ENCP), que busca tornar as compras públicas mais inovadoras, sustentáveis ​​e inclusivas, além de promover maior alinhamento desta com outras políticas, como a nova Lei de Licitações, o Marco Legal das Startups, Diálogo Competitivo, Contrato Público para Solução Inovadora (CPSI), Encomendas Tecnológicas, dentre outras.

Na semana passada, um ministro Ester Dweck (MGI) inaugurou os trabalhos da Comissão Interministerial de Contratações Públicas para o Desenvolvimento Sustentável (CICS).

Parte do programa Nova Indústria Brasil, o CICS terá papel central na articulação entre agências estatais e com o setor privado na execução das compras governamentais, além de alinhar as diferentes políticas públicas e melhorar a qualidade da contratação pública.

O primeiro instrumento a ser adotado é a aplicação de margens de preferência nas compras governamentais para o setor de ônibus e equipamentos metroviários. Há outros segmentos em análise, como o farmacêutico, que podem ser incorporados em fases posteriores.

As empresas fornecedoras do Estado brasileiro poderão optar entre os benefícios de “produtos ou serviços nacionais” (com margem de até 10% sobre o melhor preço do produto ou serviço importado) ou de “produtos reciclados, recicláveis ​​ou biodegradáveis” (margem de até 10 % sobre o melhor preço de um produto que não se enquadra nessa categoria).

Além disso, quando demonstrarem esforço de desenvolvimento e inovação tecnológica no país, os fornecedores de bens fabricados e entrevistados de serviços poderão adicionar uma margem de 10%, podendo chegar a 20%.

Segundo estudo do IPEA (2022), a eficácia das margens de preferência depende do horizonte de aplicação. Prazos curtos tendem a adquirir estoques de bens anteriormente acumulados e com baixo teor inovador. Já margens aplicáveis ​​por longos períodos, “podem estimular investimentos em ampliação de capacidade e, no caso de bens com tecnologia desenvolvida domesticamente, podem até mesmo estimular o surgimento de novos atores”. Além disso, sinalizar a vinculação de margens a inovações de produtos específicos, bem como indicar redução progressiva das margens, pode induzir o aumento da eficiência.

Em linha com os padrões de sustentabilidade propostos pelas Nações Unidas, as margens de preferência acrescentam a sustentabilidade a dois princípios estabelecidos pela Constituição Federal de 1988, a saber: a inovação tecnológica (art. 218) e o incentivo ao mercado interno —definido como ” patrimônio nacional” (art. 219).

Diferente do “Buy American Act” nos EUA —com aplicação setorial indiscriminada e sem foco em inovação— a iniciativa do MGI é mais restrita, ampliando gradativamente o benefício a setores estratégicos para a neoindustrialização, após análise de previsões técnicas. Face às restrições fiscais, a transparência e a alimentação podem angariar legitimidade social às políticas de desenvolvimento.

As margens de preferência reforçam o poder das compras públicas como estruturador de atividades sofisticadas e verdes em território nacional. É mais um passo correto rumo à neoindustrialização.


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FOLHA DE SÃO PAULO

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