As câmeras corporais na Polícia Militar de São Paulo foram introduzidas com um objetivo claro: aumentar a transparência e a conformidade no trabalho policial, reduzir a letalidade e os abusos de poder.
No entanto, como recentes alterações propostas pela gestão de Tarcísio de Freitas representam uma mudança de foco que possibilita os avanços avanços até agora.
O programa anterior integrava iniciativas mais amplas do próprio PM que visavam aprimorar o treinamento —as imagens eram utilizadas para fortalecer os procedimentos nas sessões.
Além disso, diversos estudos, como o de Tricia Bent-Goodleyapontam uma forte relação entre a redução da letalidade policial e o aumento da confiança da população nas forças de segurança, fundamental para o combate ao crime.
A letalidade policial não é uma questão trivial no país. Com 6.357 mortes por intervenção policial em 2023, taxa de 3 mortes por 100 mil habitantes, o Brasil supera países como México, Argentina, Chile e Colômbia, onde as taxas são bem inferiores a 1.
Nesse sentido, um estudo da FGV para o caso de São Paulo reforçar a necessidade de continuidade da política de câmeras corporais. Os resultados mostram que o uso contínuo da tecnologia foi crucial na redução do uso excessivo da força ao cultivo de práticas de conformidade: áreas que adotaram as câmeras tiveram 57% menos mortes por intervenção policial.
Houve também um aumento nos registros de porte de drogas e armas e nos registros de casos de violência doméstica no sistema da Polícia Militar.
Já a nova proposta do governador altera radicalmente o uso das câmeras corporais, agora focando na detecção de crimes para melhorar a eficiência no controle do crime. Embora importante, não há garantia de que uma estratégia será eficaz para atingir esses objetivos.
O edital exige que o policial ative uma câmera, e uma central pode vê-lo remotamente se necessário. Então, as câmeras seriam usadas para identificar suspeitos e melhorar a qualidade das provas.
Essa mudança, no entanto, ignora aspectos cruciais para a boa gestão do PM e a conformidade às normas operacionais. Ao deixar a responsabilidade de ligar o equipamento aos agentes, obriga-se a adesão a protocolos e aumenta-se o risco de abusos não registrados, assim como a vista grossa para casos em que uma ação policial não poderia ser dispensada.
Enfraqueceria, portanto, o sucesso e a responsabilidade das ações policiais, resultando em um controle menos rigoroso dos protocolos, da letalidade, do abuso de poder e da ineficiência.
A Secretaria da Segurança Pública justifica a medida com problemas de bateria e altos custos de armazenamento no modelo anterior. Assim, o novo edital reduz o tempo de armazenamento dos vídeos intencionais de 365 para 30 dias, comprometendo o uso das imagens como provas em investigações e processos judiciais.
Será que São Paulo não conseguiria eliminar outras ineficiências para abrir espaço no orçamento para segurança pública?
Outro argumento utilizado pela gestão é que a proposta segue as diretrizes nacionais para o uso deste tipo de equipamento. Segundo o governador, o Ministério da Justiça permitiria que cada estado definisse seu funcionamento.
Agora, uma vez que o estado de São Paulo tinha uma política pública bem desenhada e comprovadamente eficaz, Tarcísio não deveria estar se escondendo atrás das regras federais. Ao contrário, deveria cobrar ao governo Lula a promoção do uso de câmeras nos moldes que sabemos funcionar.
Logo, a mudança no uso de câmeras corporais subvertidas o que se mostrou eficaz na promoção da transparência policial e na redução da letalidade. A nova direção joga contra a confiança da população nos agentes públicos e compromete a percepção da integridade das investigações.
Um governo preocupado com segurança deveria promover e ampliar estratégias baseadas em evidências, não transferir responsabilidades ao retroceder políticas bem-sucedidas.
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