quarta-feira, outubro 9, 2024
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Estado brasileiro normaliza atos para cegar autoridades de crítica



Iniciativas para blindar autoridades públicas contra críticas, que já eram tendência forte no Judiciário, têm se intensificado e se espalhado por diversas instâncias do Estado brasileiro. No Executivo e no Congresso, projetos e ações buscam proteger autoridades com restrições à liberdade de expressão e perseguir jornalistas, influenciadores e cidadãos em geral, sob o surrado pretexto da necessidade de combate “notícias falsas“.

O comportamento do governo Lula no contexto recente das enchentes no Rio Grande do Sul é emblemático dessa tendência. No começo de maio, por exemplo, o então chefe da Secretaria de Comunicação da Presidência (Secom), Paulo Pimenta, acionou a Polícia Federal (PF) e a Advocacia-Geral da União (AGU) para identificar e punir divulgadores de supostas notícias falsas sobre a tragédia.

O governo tem feito ataques diretos aos veículos de imprensa, como no caso em que a Folha de S.Paulo foi acusada de desinformação ao mostrar que dois projetos contra enchentes que foram feitos pedidos em julho do ano passado pelo governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite (PSDB), não foram incluídos no novo PAC (Programa de Aceleração do Crescimento). “Não é verdade a matéria da Folha de S.Paulo que diz que o Governo Lula deixou de fora do PAC projetos contra inundação, solicitados pelo governo do estado do RS. Informações incompletas e imprecisas dão a entender que o governo federal negligenciou propostas do RS, o que não corresponde à verdade”, disse o governo em mensagem disparada nas redes.

O Executivo também imitou o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) na tentativa de fazer parcerias com as Grandes tecnologias para controlar a informação publicada sobre a tragédia do RS nas redes sociais. Recentemente, a Advocacia-Geral da União (AGU) firmou um acordo com essas empresas, na presença também de membros da Secom (Secretaria de Comunicação), do Ministério da Justiça e da Polícia Federal. A intenção é criar um canal direto com as plataformas para facilitar o controle da informação.

No começo do terceiro mandato de Lula, a criação da Procuradoria Nacional de Defesa da Democracia – o chamado “Ministério da Verdade” de Lula –, um braço da AGU alegadamente destinado a coibir desinformação, deu o tom de como o governo Lula poderia usar o aparato do Estado para censurar críticas.

Levantamento recente feito pelo UOL confirma em números esse presságio: desde o início do mandato de Lula, o Ministério da Justiça solicita 91 investigações por crimes contra a honra, muitos deles envolveram o presidente e a primeira-dama Rosângela da Silva, a Janja. O número supera de todas as desvantagens feitas durante a gestão de Bolsonaro. A maioria dos pedidos ocorreu na gestão de Ricardo Lewandowski como ministro da Justiça, com uma média de 6 pedidos por mês, ainda de acordo com o UOL.

Entre as investigações se encontra, por exemplo, um inquérito contra o deputado Gilvan da Federal (PL-ES) para saber se ele ofendeu a honra do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) quando se referiu ao chefe do Executivo como “ex- presidiário”, “ladrão” e “corrupto”.

Para Pedro Moreira, doutor em Filosofia do Direito pela Universidade Autónoma de Madrid, as autoridades públicas deveriam ter maior tolerância às críticas do que o cidadão comum, e não o contrário. “A liberdade de expressão não foi concebida para proteger as autoridades públicas, os políticos, aqueles que têm poder e tomar decisões por nós. Antes, ela foi concebida para nos dar o direito de criticá-los, mesmo que a crítica seja exagerada ou errada .”

Na visão de Moreira, um fato indignado da população no caso de tragédia no RS não deveria ser preocupação do governo. “Nessa questão das enchentes no Rio Grande do Sul, é natural que as pessoas fiquem ressentidas e até revoltadas com a atuação do Estado.notícias falsas‘. Agora, só esse episódio já demonstra que devemos ter todos os cuidados possíveis antes de regulamentarmos as redes sociais ou estabelecermos algum marco de proteção para esse combate às ‘notícias falsas‘.”

Congresso e Judiciário também demonstram desejo de cegar autoridades contra críticos

Com a escalada de iniciativas para cegar autoridades de críticas, o governo Lula imita o modo de operação recente do Judiciário brasileiro – amplamente relatado pela Gazeta do Povo nos últimos anos – de limitar a liberdade de expressão para proteger opiniões desfavoráveis. Tanto os inquéritos que investigam há mais de cinco anos supostos ataques à Corte quanto alguns episódios menores, que já ocorreram para o folclore do comportamento abusivo do Judiciário – como o caso do aeroporto de Roma –, normalizaram a blindagem de membros do STF em relação a críticas.

Na semana passada, o ministro Alexandre de Moraes publicou uma nota acusando o portal UOL de publicar uma “notícias falsas“. De acordo com o jornal, membros da Corte foram avaliados, sob garantia do sigilo da fonte, que a estratégia escolhida pelos advogados para contestar a inelegibilidade de Bolsonaro teria “enterrado a possibilidade” de retorno do ex-presidente em 2026. UOL defendeu a reportagem, alegando que obteve informações de membros do TSE sob sigilo.

A tendência de se preocupar mais com a própria imagem do que com o serviço prestado à população se difundiu também pelo Congresso, embora ainda em menor escala.

Tramita na Câmara o Projeto de Lei 3734/23, que propõe a inclusão no Código Penal do crime de “causar constrangimento a autoridade pública”. A pena varia de 2 a 6 anos de reclusão, podendo variar se o ato ocorrer pelas redes sociais ou em grupos de WhatsApp. O autor do projeto, deputado Rubens Pereira Júnior (PT-MA), defende que a criminalização desencorajaria ataques às autoridades.

A tentativa de derrubada, dias atrás, do chamado “veto da liberdade”, que impedia a criminalização do que se chama de “notícias falsas“, é mais uma evidência de que alguns membros do Legislativo estão empenhados em coibir críticas às suas próprias ações e às de seus colegas dos outros Poderes. Outro sinal disso foi o esforço de parcela significativa dos parlamentares para tentar aprovar, no ano passado, o PL 2630/2020 – o “PL da Censura” ou “PL das Notícias Falsas“.

A proposta para o novo Código Civil, como já demonstrado a Gazeta do Povo, traz embutidas as ideias desse projeto. Recentemente, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), respondeu às críticas direcionadas ao projeto da forma já previsível: acusou-as de “notícias falsas“.



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