sábado, outubro 5, 2024
InícioECONOMIAAlta de gastos e juro eleva déficit nominal do Brasil - 06/07/2024...

Alta de gastos e juro eleva déficit nominal do Brasil – 06/07/2024 – Mercado


O aumento dos gastos promovidos pelo governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e o maior patamar dos juros na economia interna e no cenário internacional colocaram o chamado déficit nominal em trajetória de direção.

O indicador, que reflete o balanço entre receitas e despesas mais o custo com juros da dívida pública, chegou a 9,41% do PIB (Produto Interno Bruto) para o setor público consolidado no acumulado em 12 meses até abril. É o maior patamar desde janeiro de 2021, quando a situação das contas ainda refletia os impactos da pandemia de Covid-19.

Apesar do paralelo, a composição desses resultados é distinta. Se na pandemia o aumento nos gastos para combater os efeitos da emergência sanitária foi o principal motor da piora fiscal, agora é a conta de juros que mais pesa sobre a situação das finanças brasileiras.

Em valores absolutos, o déficit nominal atingiu R$ 1.066 trilhão nos 12 meses até abril, dos quais R$ 792,3 bilhões (ou 74%) são juros da dívida pública. Os dados são divulgados pelo Banco Central e foram atualizados pela XP Investimentos para descontar os efeitos da inflação.

Outros R$ 274,1 bilhões vêm do déficit primário (que exclui a conta de juros e pontos de forma mais direta o saldo entre receitas e despesas com políticas públicas).

Técnicos do governo ponderam que o valor inclui o pagamento de precatórios (sentenças judiciais) que tinha sido adiado pelo governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). Por isso, na visão desses interlocutores, é preciso adotar cautela nas comparações com o quadro na época da pandemia.

A Selic está hoje em 10,5% ao anodecorrente de um ciclo de queda iniciado em agosto de 2023, quando a taxa básica de juros foi estacionada em 13,75% ao ano para ajudar o Banco Central no combate à inflação.

Na pandemia, o volume de gastos sem precedentes foi contrabalançado por juros reais negativos (com a Selic chegando ao mínimo histórico de 2%).

Em janeiro de 2021, quando o déficit nominal atingiu o pico de R$ 1.308 trilhão, a conta de juros somava R$ 402,8 bilhões (30% do total), em valores já corrigidos. Os números do setor público consolidado incluem governo federal, estados, municípios e seus estatais (exceto os grupos Petrobras e Eletrobras).

Segundo o Tesouro Nacional, 45% da dívida interna brasileira, denominada em reais, está atrelada à Selic. Por isso, qualquer oscilação na taxa impacta automaticamente a conta de juros do governo.

Mas esse não é o único fator que interfere nos resultados. O cenário internacional de juros mais elevados acaba empurrando para cima todas as taxas cobradas dos investidores para financiar o Brasil por meio da compra de títulos públicos, inclusive de médio e longo prazo. Ao mesmo tempo, pode limitar o movimento de redução da Selic no curto prazo.

Os custos são amplificados pelas incertezas que cercam a trajetória fiscal do país, que acrescentam um prêmio de risco às taxas pagas pelo governo brasileiro.

Ó ministro Fernando Haddad (Fazenda) prega a harmonização entre as políticas fiscais e a política monetária e já chegou a dizer que os juros altos praticados pelo Banco Central exigem para a elevação da dívida.

Já o BC elenca a incerteza fiscal como um dos motivos para adotar uma posição mais conservadora na condução da política de juros.

“É o déficit primário que eleva o custo de financiamento [via taxa de juros] ou é o déficit nominal que acaba pesando na conta da sustentabilidade? É a pergunta do que vem primeiro”, diz o economista da XP Tiago Sbardelotto.

Para ele, a incerteza fiscal é um fator de pressão relevante e deve interferir na conta de juros ainda que o BC prossiga com o corte de juros. “Se não tiver certeza que [o governo] vai conseguir entregar os resultados fiscais prometidos, os agentes vão cobrar mais. O custo da dívida está atrelado ao risco fiscal maior. [O corte na Selic] Não seria suficiente para reduzir o custo da dívida”, alerta.

Em sua visão, o governo deveria atuar para fortalecer o arcabouço fiscal e garantir sua sustentabilidade no futuro. Hoje, o avanço de despesas ecológicas como benefícios previdenciários e os pisos com Saúde e Educação lançam dúvidas sobre a capacidade de acomodação de tais gastos sob o limite de despesas.

O economista Cláudio Hamilton, coordenador de Finanças Públicas do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), diz que a questão do déficit nominal preocupa, mas há uma tendência de redução à frente, tanto dos juros quanto do déficit primário.

“A situação se deteriorou muito nos últimos 12 meses, por uma série de fatores. No ano de 2023 foi de arrumação das contas públicas, o déficit primário aumentou bastante [após o aumento de gastos aprovado na transição de governo]. Por outro lado, houve um aumento das taxas de juros que agora estão caindo, mas lentamente e continuam muito altas se comparadas à inflação”, avalia.

Em sua avaliação, há “bons argumentos técnicos” para continuar reduzindo a taxa de juros, pois a melhoria do mercado de trabalho não gerou um repique inflacionário. No entanto, ele confirmou a incerteza fiscal.

“Não é que o governo tenha vitórias no Congresso Nacional. E tem que ver como vai ficar a conta do Rio Grande do Sul, é um choque negativo importante. Mantém-se a pressão por mais gastos”, diz Hamilton. Segundo ele, um maior esforço do governo poderia abrir caminho para uma queda mais rápida dos juros.

A economista-chefe do Banco Inter, Rafaela Vitória, afirma que já era esperado o aumento na despesa com juros, principalmente diante do adiamento das perspectivas de corte de juros nos Estados Unidos. Por outro lado, a trajetória de transporte acende um alerta sobre a condução da política fiscal.

“Déficit nominal é consequência de um ajuste fiscal que não foi feito. Passado um ano do arcabouço, vemos retornos grandes nos gastos, e o primário não melhorado. Vejo maior percepção de risco nas taxas dos leilões do Tesouro”, afirma.

Ela destaca que, com uma fatura de R$ 100 bilhões em precatórios para 2025o resultado nas contas do ano que vem pode ser até pior do que em 2024, embora a meta fiscal traçada por Haddad preveja melhora —parte da especificação com sentenças judiciais pode ser descontada do cálculo da meta e dos limites do arcabouço, conforme autorização do STF (Supremo Tribunal Federal).

Em suas projeções, o governo deverá ter um déficit primário de R$ 77 bilhões em 2024 e de R$ 78 bilhões em 2025.

“É um paradoxo. Tem contas que não entram para a meta, então não tem o mesmo controle. Precatório é uma dívida que tem que ser paga, mas tem um custo ficar fora. Tem que se preocupar com todos os gastos”, avalia.



FOLHA DE SÃO PAULO

ARTIGOS RELACIONADOS
- Advertisment -

Mais popular