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Exército gasta R$ 20 mi por ano com ‘mortos fictícios’ – 08/06/2024 – Mercado


Ó Exército gasta mais de R$ 20 milhões por ano com o pagamento de pensões para familiares de 238 “mortos fictícios”como são chamados os militares expulsos da Força por condenações no Judiciário.

A lista é composta por 38 oficiais e 200 praças que perdas o posto e a patente por terem cometido crimes ou infrações graves cujas penas somam mais de dois anos de reclusão. As pensões são pagas a 310 famílias.

É a primeira vez que os dados do Exército sobre os “mortos fictícios” são tornados públicos. A lista foi obtida por meio da Lei de Acesso à Informação pela Fiquem Sabendoorganização sem fins lucrativos especializada em transparência pública, e repassada à Folha.

A figura jurídica do “morto fictício” (ou “morto fictício”, como também é chamado) foi criada para atender à Lei 3.765, de 1960, em plena ditadura militar. A legislação que define que os militares expulsos da Força não perdem o direito à pensão militar já que, durante o tempo em que serviu, parte do salário era recolhida para custear o benefício.

Como o pagamento não pode ser feito diretamente aos militares condenados, eles passaram a ser considerados “mortos fictícios”, e os familiares ganharam o direito de receber o salário do oficial ou da praça.

Nove coronéis estão entre os “mortos fictícios” do Exército. Um deles, Ricardo Couto Luiz, foi preso em 2014 com 351 kg de maconha prensada em um fundo falso de um furgão no Rio de Janeiro.

Segundo a Polícia Federalo coronel deixou sua farda divertida num cabide no interior do veículo, mesmo já sendo militar reformado, para tentar inibir eventuais revistas policiais.

Ricardo Luiz foi condenado pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro em 2015, e o processo transitou em julgado (quando não há mais possibilidade de recursos) em 2020. STM (Superior Tribunal Militar) só confirmou a perda do posto e da patente em 2022.

Há três anos, a filha do coronel recebe mensalmente R$ 13,4 mil.

Um outro caso é o do coronel Paulo Roberto Pinheiro, que foi condenado por um esquema de fraudes em contratos do Hospital Militar da Área de Recife. Segundo o Ministério Público Militar, um grupo de oficiais abriu processos de compras para o almoxarifado e combinou com a empresa vencedora para não entregar os itens contratados.

Pinheiro teve a “morte fictícia” reconhecida em 2023 —e sua esposa passou a receber quase R$ 23 mil mensais como pensão.

A Folha procurei os advogados dos dois coronéis para comentar o assunto, mas não obtive resposta.

“As Forças Armadas se mantêm como uma espécie de estamento privilegiado dentro do Estado brasileiro […] que não se submeta às mesmas normas que os outros funcionários públicos civis”, avalia Lucas Pedretti, professor de história científica sobre a transição da ditadura militar para a democracia.

Pedretti argumenta que as Forças Armadas obtiveram privilégios no fim da ditadura que se perpetuaram. “Talvez seja a hora da sociedade brasileira ter claro de que tem um lugar para onde a gente deve começar a fazer esse debate [corte de privilégios do funcionalismo]”, completo.

As pensões fazem parte de um conjunto de benefícios que os militares possuem no âmbito do SPSMFA (Sistema de Proteção Social dos Militares das Forças Armadas). Só em 2023, os gastos com pensões chegam a R$ 25,7 bilhões.

A legislação que beneficia a carreira passou por diversas alterações. Em 2001, o então presidente Fernando Henrique Cardoso assinou medida provisória criando diversas restrições —entre elas, determinou que filhos de militares pudessem receber pensão até 21 anos (caso fosse estudante, até 24 anos) e não mais até a morte.

FHC, porém, permitiu que os militares pudessem permanecer com o direito da pensão vitalícia para filhos caso autorizassem um desconto extra de 1,5% na folha salarial.

O Congresso Nacional aprovou em 2019 uma lei que reestruturou as carreiras nas Forças Armadas. Nas pensões militares, as principais mudanças foram o aumento de 7,5% para 10,5% do desconto na folha de pagamento e a definição de que os beneficiários também terão de pagar a taxa enquanto recebem os valores.

A lei também estipulou que o beneficiário não receberá o salário completo do militar considerado “morto fictício” caso não tenha cumprido o tempo mínimo de serviço. “Ou seja, o oficial […] que perder posto e patente deixará aos seus beneficiários a pensão militar correspondente ao posto que possuía, com valor proporcional ao tempo de serviço”.

Durante o processo de obtenção dos dados via Lei de Acesso à Informação, a Força se negociou o envio das informações previstas e chegou a apresentar números divergentes. O caso chegou à CGU (Controladoria-Geral da União), que obrigou o Exército a enviar os dados completos por não haver previsão legal para o sigilo.

Em 2023, as demais Forças Armadas já tinham tornado públicas suas listas dos “mortos fictícios”. A Marinha e a Aeronáutica, somadas, pagam pensões um pouco mais de 300 familiares de militares expulsos.

A existência da figura jurídica do “morto fictício” ganhou atenção durante o governo JairBolsonaro (PL).

Ó major Ailton Barros era amigo próximo do ex-presidente. É investigado pela Polícia Federal por ter participado do esquema de falsificação da carteira de vacinação de Bolsonaro, Mauro Cid e familiares, além de ser alvo do inquérito sobre os planos golpistas após a vitória de Lula (PT) nas eleições de 2022.

Barros foi expulso do Exército após ser condenado pela Justiça Militar por uma série de investigações internas —em uma delas, foi investigado por atropelar um membro da Polícia do Exército que tentou parar seu carro em uma ocorrência de trânsito na Praia Vermelha, no Rio de Janeiro Janeiro.

A redução de despesas com pessoal das Forças Armadas voltou a ser debatida entre membros do governo e do TCU (Tribunal de Contas da União) nos últimos meses. O presidente do corte de contas, Bruno Dantas, foi quem levou uma discussão a público em entrevista à Folha.

As defesas por uma revisão dos gastos das Forças Armadas, em especial com as pensões e inativos, geraram preocupação nas cúpulas militaresque decidimos manter a vigilância contra eventuais tentativas de redução de benefícios da carreira.



FOLHA DE SÃO PAULO

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