terça-feira, outubro 8, 2024
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Prisão de Filipe Martins completa 4 meses repleta de abusos



A prisão de Filipe Martins, ex-assessor para assuntos internacionais da Presidência da República, completou quatro meses neste sábado (8). Desde 8 de fevereiro, quando a Polícia Federal executou a ordem de prisão dada pelo ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), o ex-presidente Jair Bolsonaro não se pronunciou sobre o caso de Martins, que ocupou um dos principais cargos de confiança de seu governo do começo ao fim do mandato.

Como vem mostrando um Gazeta do Povo, o caso empilha abusos contra o devido processo legal e se enquadra na definição clássica de política de prisão. Martins está preso sem denúncia, mesmo com parecer da Procuradoria Geral da República (PGR) favorável à sua soltura, e sob a alegação de ter feito uma viagem que nunca existiu.

Desde 2022, Bolsonaro tem considerado menos o Supremo e as decisões de seus ministros em discursos e nas redes sociais, ainda que eventualmente faça críticas ao tribunal. No dia 26 de maio, por exemplo, classificou a decisão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) de rejeitar o recurso contra sua inelegibilidade como uma “perseguição sem fim”. Na sexta, postou uma matéria da Gazeta do Povo sobre os presos do dia 01/08.

O deputado Eduardo Bolsonaro foi o único da família do ex-presidente a se manifestar publicamente sobre o assunto. “Está sendo exigido que um inocente prove que ele não passou numa democracia aos Estados Unidos, quando a democracia cabe ao acusador comprovar cabalmente aquilo que ele está acusando”, disse o parlamentar, em referência à viagem inexistente que embasou a prisão do ex-assessor de seu pai.

Fabio Wajngarten, assessor do ex-presidente e ex-chefe da Secretaria de Comunicação Social (Secom) da Presidência da República, também já postou algumas vezes sobre o caso. “Não há nenhuma razão para a prisão do Filipe. Espera-se que as leis brasileiras sejam suficientemente claras e justas para que ele seja libertado o quanto antes”, afirmou em uma dessas graças. Wajngarten foi questionado pela reportagem da Gazeta do Povo sobre o silêncio de Bolsonaro em relação a Martins, mas não havia resposta até a publicação deste texto.

Em outras graças ao longo dos últimos anos, o silêncio de Bolsonaro em relação à situação de aliados trouxe incômodos em alguns apoiadores, como no caso de sua relutância, em 2021, em se pronunciar sobre a prisão dos ex-deputados Daniel Silveira e Roberto Jeferson.

Histórico do caso de Filipe Martins tem coleção de abusos contra a lei e falta de transparência

O histórico do caso de Filipe Martins tem um acervo de ilegalidades e é marcado pela falta de transparência do Judiciário desde o início.

No dia 8 de fevereiro de 2024, a Polícia Federal prendeu preventivamente Filipe Martins durante uma Operação Tempus Veritatis, que investigava a ligação dele e de outras figuras públicas com os atos de 8 de janeiro de 2023 e uma suposta tentativa de golpe de Estado. Martins foi detido na casa de sua namorada, em Ponta Grossa (PR), e encaminhado à Superintendência da Polícia Federal do Paraná, em Curitiba.

A alegação da PF para prendê-lo foi que seu nome constava na lista de passageiros que viajaram em um voo presidencial com Bolsonaro no dia 30 de dezembro de 2022 rumo a Orlando, nos Estados Unidos, o que indicava risco de fuga. No entanto, não há registros formais dessa saída.

No dia seguinte à operação, a defesa de Martins solicita pela primeira vez a revogação da prisão preventiva, alegando falta de provas. Cinco dias depois, Moraes negou o pedido. A entrou defesa com nova solicitação em 19 de fevereiro, mostrando documentos que atestavam sua permanência no Brasil, como passagens aéreas de Brasília para Curitiba em nome dele e da mulher, datadas de 31 de dezembro de 2022, além de comprovantes das bagagens que despacharam, confirmação da companhia aérea, e fotos do casal na região de Ponta Grossa (PR).

Moraes ignorou as tentativas e, em 22 de fevereiro, tentou a transferência de Martins para o Complexo Médico Penal (CMP) em Pinhais, no Paraná. Advogados e familiares não foram informados a respeito da transferência antes que ela ocorresse. “Como levam um investigado sem prova de crime e sem flagrante para um local de criminosos condenados, sem nem informar a defesa para que possa saber onde está seu cliente?”, questionou o advogado de Filipe Martins, Ricardo Scheiffer, na época.

Uma hipótese levantada pelo entorno de Martins é que ele estaria sendo vítima de tortura psicológica: a Justiça o manteria preso em condições precárias com o objetivo de forçá-lo a uma delação.

Em depoimento que antecedeu a condução à CMP, Martins havia negado a participação nas reuniões que foram tratadas da suposta tentativa de golpe e da redação de um minuto que antecedeu a prisão de autoridades. Também havia deixado claro que não viajaria no avião que levou Bolsonaro aos Estados Unidos no fim de dezembro de 2022.

No dia 29 de fevereiro de 2024, a defesa de Martins apresentou novos documentos comprovando sua permanência no Brasil durante o período em que teria deixado o país. Em 1º de março de 2024, juristas afirmaram à Gazeta do Povo que a prisão preventiva de Martins era patentemente ilegal, destacando que as fundamentações usadas para a prisão preventiva precisam ser cabalmente comprovadas.

Em 6 de março de 2024, a Procuradoria-Geral da República (PGR) emitiu parecer favorável à liberdade provisória de Martins, reconhecendo que não havia sinais de risco de fuga e que a decisão inicial pela prisão já poderia ser reavaliada. “A pretensão de relaxamento da custódia parece reunir razões práticas e jurídicas”, disse a PGR.

Em 28 de março – três semanas depois do parecer da PGR –, na decisão que manteve Martins na prisão, Moraes alegou dúvidas sobre o itinerário do ex-assessor de Bolsonaro. Com isso, o ministro admitiu que o principal motivo para a decretação da prisão preventiva era duvidoso – o que, por si só, já tornaria a prisão ilegal. Mesmo assim, Martins foi mantido preso.

No começo de abril, quando já estava próximo de completar dois meses na prisão, o ex-assessor de Bolsonaro escreveu uma carta a um amigo vazada para a imprensa com os dizeres: “Não delatei. Não delatarei. Porque não há o que delatar” .

Em maio, Moraes rejeitou mais um pedido de soltura de Martins, alegando diligências pendentes da Polícia Federal. A defesa reafirmou que o ministro simplesmente ignora as provas. “Já juntamos todas as provas, inclusive apresentamos três vezes a resposta que obtivemos do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) do governo Lula por meio da Lei de Acesso à Informação com a lista de passageiros que embarcaram para Orlando”, afirmou Scheiffer. “Mas Moraes não se manifesta a respeito dessa lista, simplesmente a ignora.”

Em 20 de maio de 2024, a defesa de Martins divulgou uma nota pública acusando Moraes de cometer ilegalidades e de coagir Martins a produzir provas contra si mesmo. A defesa entrou com um agravo regimental no STF contra a decisão de manutenção da prisão, argumentando que a medida é injusta e abusiva, e apontando as diversas ilegalidades do processo.

No fim de maio, Moraes finalmente acionou o Ministério da Justiça e Segurança Pública para pedir informações ao governo americano sobre as entradas e saídas de Filipe Martins nos EUA, o que poderia confirmar em definitivo que o ex-assessor da Presidência não fez a viagem do dia 30/12/2022. O pedido ocorreu, no entanto, quase dois meses depois de a PGR recomendar essa solicitação.

No dia 1º de abril, Moraes havia enviado esse pedido ao Itamaraty, o que é equivocado do ponto de vista processual, já que é preciso seguir um trâmite de cooperação internacional que exige que o pedido seja feito via Ministério da Justiça. Moraes demorou quase dois meses para corrigir o equívoco: só fez o pedido ao órgão correto no dia 28 de maio. Agora, o ministro aguarda a resposta do governo americano, que deve confirmar de forma definitiva a inexistência de viagem pelo qual Martins está preso há quatro meses.



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