terça-feira, outubro 8, 2024
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Educação para além dos muros da escola – 06/10/2024 – Michael França


Você pode fornecer escolas de qualidade para os mais pobres e, mesmo assim, talvez não veja a mudança na realidade do país que se almeja. Isso ocorre porque a educação não se limita apenas à oferta das melhores escolas. Também é preciso aumentar a demanda.

É necessário que os estudantes e suas famílias reconheçam a importância da educação para que o impacto desejado possa ser alcançado.

Contudo, em regiões muito pobres do país, a incidência da gravidez na adolescência ainda é alta. A maternidade precoce é um motivo importante que afasta muitos jovens da escola e, em vários casos, o pai, quando assume a paternidade, também abandona os estudos. Mesmo que haja escolas públicas de qualidade, tal fator limita a demanda por educação. Com a baixa qualificação dos pais, as chances de mobilidade social da criança diminuem, perpetuando, assim, o ciclo da pobreza.

O Brasil é um dos países da América Latina que apresentam altas taxas de gravidez na adolescência.

No caso do dispositivo intrauterino (DIU), por exemplo, grande parcela das mulheres pobres ainda não tem acesso a ele. Uma política simples de expandir sua disponibilidade para garotas de baixa renda poderia ter muito mais impacto em termos de desenvolvimento do que várias políticas públicas já inovadoras no país.

Entretanto, mesmo sem filhos, é comum que jovens de origens desfavorecidas precisem trabalhar para ajudar no orçamento familiar. Isso não é apenas um limitador de seu desempenho escolar como uma das principais razões para a evasão, especialmente quando o jovem está no período do ensino médio.

Para combater esse problema, o Ministério da Educação (MEC) lançado recentemente o Programa Pé-de-Meiaque oferece um incentivo financeiro para os estudantes terminarem essa etapa do ensino, buscando, assim, mitigar esse efeito negativo.

Outro motivo importante que diminui a demanda por educação, e que é relativamente pouco discutido em nossa sociedade, é o fato de muitos estudantes não verem muito valor nela. Parte disso decorre do fato de que ainda há uma quantidade limitada no país de modelos sociais que vieram da pobreza e avançaram significativamente na vida por meio dos estudos.

Quando estudantes periféricos não veem em seu círculo social pessoas que trazem benefícios da educação, torna-se difícil visualizar suas vantagens potenciais. Sem referências de sucesso que progrediram graças ao conhecimento adquirido, o valor da educação passa a ser abstrato.

Existe uma série de barreiras sistêmicas em seus caminhos. O Brasil naturalizou processos que favorecem sistematicamente aqueles que nasceram em ambientes mais privilegiados. As cotas sociais e raciais, tanto nas universidades quanto fora delas, representam uma política que busca corresponder parte da assimetria gerada pelos diferentes pontos de partida resultantes da loteria do nascimento.

Nesse âmbito, a recente ascensão social de um pequeno grupo via cotas ou por meio de outras políticas de democratização do ensino superior e técnico representa mais do que um ganho individual; também simboliza o surgimento de novas referências sociais que se tornam mais tangíveis, para as gerações jovens e desfavorecidas, o valor da educação.

Aqueles que conseguem passar pelo filtro social restrito gerado pela sociedade excludente brasileira tornam-se mais claros para as novas gerações que, com muito esforço, uma pequena parcela consegue emergir.

Dessa forma, o sistema educacional não se limita à oferta de melhores instituições de ensino. É igualmente necessário desenvolver uma cultura que valorize a educação.

Para que isso ocorra, os estudantes desfavorecidos precisam de referências mais concretas sobre seu valor.

O texto é uma homenagem à música”Paranauê“, composta por Eliberto Barroncas, interpretada por Raízes Caboclas.


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FOLHA DE SÃO PAULO

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