A confusão em que se meteu o governo de Luiz Inácio Lula da Silva parece agora apenas uma crise centrada na desconfiança na capacidade de Fernando Haddad levar adiante um plano crível qualquer de conter a liquidação de contas públicas.
Mas esse é apenas o resultado crítico de um acúmulo de equívocos que começou no governo de transição. É possível quebrar erros, mas Lula já perdeu apoio e tempo político para fazer governar bem melhor.
Primeiro, Lula optou por desconsiderar parte do seu slogan: “União e Reconstrução”. A “união” possível seria pouca, dado o conflito raivoso no país. Ainda assim, Lula poderia manter aquele pequeno centro que o ajudou a vencer a eleição e obter algum apoio adicional, além do pessoal que aderiu à “frentinha ampla”.
Para que fosse assim, seria necessário fazer um governo menos petista, em ideias, quadros e ações. Isto é, que firmasse ou criasse articulações sociais e políticas, com a ampliação desse centro, o que exigiria também um programa econômico mais convencional. Mas o presidente acabou por perder o apoio da elite desse centro e, dizem pesquisas, também o de seus candidatos.
Por que Lula deveria ser responsável por tal projeto de “união”? Quem mais poderia fazê-lo?
Segundo, Lula 3 não entendeu que lidava com o Congresso mais direitista da história, em números e ideias, o mais distante do presidente, Congresso sem um centro, como havia até 2014.
Terceiro, não aproveitou o otimismo inicial até “o mercado”, que derrubou taxas de juros por volta da eleição. O aumento da miséria depois de uma década de estagnação planejada mais gasto, sim. Não mais, se fosse contido na despesa, poderia ver juros em queda e mais investimento privado, compensando a mão de vaca do governo. Depois, poderia partir de um programa redistributivo paulatino.
Ao contrário, logo elevou a despesa em centenas de bilhões, provocou altas de juros com ações e palavras, criou gastos permanentes e um teto móvel de despesa com dias contados, dada a estrutura do Orçamento.
Para que não sobreviesse a crise precocemente, teria de fazer sucessivas rodadas de aumentos de impostos (jabutis de Haddad), o que é desgastante em termos políticos e econômicos, ainda mais porque o país vive conflito distributivo grave faz mais de década e a oposição é liberal- extremista (com seu bolso e em ideias, por assim dizer).
Quarto, o governo não tinha plano de reforma profunda em ambiente, educação, saúde e segurança (talvez nem acredite muito nisso). Poderia fazê-lo em aliança com o centrismo ilustrado (esquerda e centro civilizados têm ideias próximas nessas áreas).
Não houve boato, grande esperança nova. Mais grave, não havia plano bom e organizado de aumento de carga tributária, resultante desde 2015.
A MP do PIS/Cofins foi só gota d’água. Juntou uma elite econômica em oposição, os extremistas que se acomodaram aos governos. Perdia já apoios de elite razoáveis lá pelo primeiro terço do ano.
Dificilmente conseguiria satisfazer o semiparlamentarimo negociante do Congresso que quer mandar no Orçamento, sem responsabilidade de governo. Dados os erros, as elites do atraso, ou apenas antipetistas, na economia e na política, se deram as mãos. A “polarização” e o estrago da década de crise não possibilitariam tão cedo o contraponto de uma alta da popularidade de Lula.
Assim, Lula 3 não estava preparado para enfrentar ainda o azar da reviravolta dos juros americanos.
Isolou-se, social e politicamente, perdeu a boa vontade inicial, prendeu-se em uma armadilha de déficit e juros altos, não tinha planos para as mazelas permanentes do país.
Dá para remediar. A crise de agora tem um pouco de exagero, pânico e oportunismo. Mas as expectativas foram rebaixadas.
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