segunda-feira, outubro 7, 2024
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Direita na Europa pode dificultar acordo Mercosul-UE



Com o avanço da direita na Europa, o acordo de livre comércio entre o Mercosul e a União Europeia pode encontrar novos percalços. Em negociações há mais de duas décadas, o tratado foi arrastado devido ao protecionismo de alguns países europeus. Com o crescimento dos partidos de direita no Parlamento Europeu, analistas ouvidos pela Gazeta do Povo avaliamos que as negociações sobre o acordo podem sofrer com novas barreiras, o que pode atrasar ou até mesmo enterrar sua possível ratificação.

“A direita europeia acaba tendo uma característica e ideologia muito mais protecionista no que diz respeito à imigração e ao estrangeiro. Há uma certa resistência com as pessoas que vêm de fora e isso também se estende aos produtos estrangeiros. Essa dose de protecionismo pode acabar prejudicando ainda mais as relações entre o Mercosul e a União Europeia”, explica Nelson Rocha, diretor da Câmara do Comércio, Indústria e Serviços do Brasil (Cisbra).

O Parlamento Europeu passa por eleições para definir a sua formação para os próximos cinco anos. As legendas de direita e centro-direita tiveram um desempenho melhor pleito e terão mais cadeiras no órgão para o próximo mandato, segundo projeções de institutos de pesquisa. Os resultados parciais preocupam líderes em países como Alemanha e França, cujos partidos foram superados por oposicionistas, mas também podem significar mudanças significativas na relação com a América do Sul.

O Mercado Comum do Sul (Mercosul) tenta destravar há mais de 20 anos um acordo de livre comércio com a União Europeia. O tratado prevê uma série de negociações que envolvem facilitações comerciais entre os blocos e reduções tarifárias de importação e exportação. Se ratificado, o acordo pode se tornar a maior negociação entre blocos do mundo, com uma movimentação superior a R$ 600 bilhões, segundo projeções da União Europeia. O protecionismo de alguns países europeus, no entanto, impediu que ele fosse chancelado até agora.

Nações como a França e Holanda se posicionaram contra o acordo pelo temor da concorrência comercial com as nações sul-americanas. O presidente francês, Emmanuel Macron, foi uma das figuras que mais fez críticas ao tratado. Com a atual vitória do partido Reunião Nacional, de Marine Le Pen, sobre o Renascimento, de Macron, na eleição para o Parlamento Europeu, a oposição ao tratado tende a ser ainda maior.

Um levantamento feito pela Gazeta do Povo no ano passado mostrou que sete países da União Europeia chegaram a se manifestar oficialmente contra o acordo. Áustria, Polônia, Bélgica, Holanda e França fizeram ressalvas quanto à abertura ao mercado sul-americano prejudicaram seus agricultores e a economia local.

O analista Nelson Rocha, que foi secretário da Fazenda do Rio de Janeiro, pontua ainda que a resistência francesa se sobrepôs nos últimos anos e, com ascensão da direita no Parlamento Europeu — que está provocando mudanças principalmente na França — pode atrasar ainda mais as negociações daqui para a frente. Apesar da direita não ser maioria no órgão, as legendas nacionalistas ganham mais força e as negociações tendem a ser ainda mais difíceis.

Protecionismo pequeno deve atrasar negociações com o Mercosul

Na concepção de Vito Villar, analista de política internacional da BMJ Consultores Associados, as pautas protecionistas devem sobressair nas discussões do Parlamento Europeu com o aumento de nacionalistas na casa. “Os principais pontos recentes da direita europeia serão a pauta da imigração e também em como o bloco tem lidado com as guerras internacionalmente”, avalia.

“Uma forte crítica à inflação e preços de alimentos, energias e transporte também acompanham [as discussões da direita europeia] principalmente por serem pontos fundamentais de crítica do próprio europeu. Evidente que alguns países têm pontos mais críticos, como a França com relação aos direitos dos agricultores e a Alemanha com o preço da energia”, pontua Vito Villar.

Assim como a França, mais países deverão adotar um discurso voltado para a economia local e se manifestar contra o acordo de livre comércio. A abertura do comércio para a América do Sul causa temor aos produtores europeus pois as mercadorias sul-americanas, sobretudo as brasileiras, são de menor custo.

Além disso, vale ressaltar que a falta de alinhamento entre o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) com a direita europeia também pode ser um percalço nas negociações. O brasileiro intensificou as discussões com lideranças europeias nos últimos meses para destravar o acordo mas não encontrou um cenário positivo, nem mesmo com o apoio de figuras como o presidente da Espanha, Pedro Sánchez, e a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen.

O Brasil não deve desistir do acordo, mesmo com avanço da direita

Apesar do cenário cada vez menos favorável, o Brasil não deve desistir do acordo e continuar negociando com as partes europeias para chegar à conclusão do tratado, segundos analistas. No último ano, quando o Brasil estava sob a presidência do Mercosul, Lula fez diversos esforços para tentar ratificar o acordo. Os países sul-americanos chegaram a concordar, inclusive, em adotar uma postura mais “flexível” para chegarem a um consenso.

Em negociações há mais de 20 anos, as partes chegaram a uma proposta concreta apenas em 2018. O texto que foi aprovado pelo bloco sul-americano, contudo, não obteve chance da União Europeia. Lula fez o acordo uma das prioridades deste seu terceiro mandato. No início de 2023, a União Europeia invejou um pedido de adendo (chamado de carta lateral) ao tratado impondo uma série de critérios ligados à preservação do meio ambiente para que ele fosse fechado. As imposições foram consideradas “inaceitáveis” pelos países do lado de cá do Atlântico.

Ao longo do ano, o Mercosul fechou um novo documento, levando em consideração as novas critérios europeus, mas mais uma vez encontrou uma negativa. Desde então, as negociações esfriaram. Para Vito Villar, analista da BMJ Consultores Associados, pode ter-se perdido o tempo certo para fechar o acordo.

“É possível entender que o momento para a assinatura do acordo passou, hoje existe muito menos vontade política do que tivemos na janela de 2023. De qualquer forma, é esperado que o Brasil continue a pressionar os europeus, mesmo com o aumento dos interesses protecionistas após as eleições”, pontua Villar.

Lula está na Europa semana para cumprir agendas na Suíça e na Itália. Durante sua passagem pelo continente, o petista tem encontros bilaterais com Emmanuel Macron e com Ursula von der Leyen, a expectativa é que o acordo entre o Mercosul e a União Europeia seja uma das pautas, mas sem novidades animadas.

“É muito provável que o tema [do acordo] surja após esse encontro, entretanto é mais provável que uma conversa primordial principalmente para questões geopolíticas seja a maior pauta dos encontros”. pontual.



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