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Pinheiro: ‘Não existe ministro fraco. Existe governo fraco’ – 15/06/2024 – Painel SA


O economista-chefe do banco Pine, Cristiano Oliveira, considera que os EUA se tornaram um fator de risco para os países emergentes. Por isso, defenda corte de gastos para uma queda de juros no Brasil, algo que Lula Tinha de ter feito no primeiro ano de mandato e que agora, enfraquecido, terá mais dificuldade.

Quanto a situação atual é culpa do cenário externo e do governo Lula?
No ano passado, Brasil, México e Colômbia estavam entre as três moedas que mais se valorizaram. Neste ano, entre as cinco piores performances, três são latinas: Argentina, Brasil e México. Isso ocorreu principalmente com o fluxo de notícias ruínas do México e do Brasil, ocorrendo em que um retroalimenta o outro.

A eleição de uma mulher esquerdista no México está prejudicando o Brasil?
Um mercado acaba contaminando o outro.

De que forma?
Um presidente eleito conseguiu maioria parlamentar. Por ser mais à esquerda, aumenta o risco de uma agenda não amigável ao mercado.

Mas o que isso muda do ponto de vista do dinheiro?
Quando o investidor olhou assim para o México, que pouco até tempo era um dos mais organizados e recebia dólares da economia americana por conta de ser parceiro [e agora vira à esquerda], imagine para os outros. Tendo a acreditar que os mercados escolhem governos mais centristas, conciliadores.

Quais são os riscos para o Brasil?
A situação vem se deteriorando desde o início deste ano porque o fiscal não foi endereçado no primeiro ano de governo. E se não faz isso no início fica bem mais difícil depois. Em 2023, o governo até conseguiu fazer uma primeira parte da reforma tributária, que melhorou a percepção de longo prazo. Mas, em abril, o arcabouço fiscal foi desfigurado e abandonado-se a meta de déficit zero em 2024.
Depois veio a preocupação de que, com dois diretores do Banco Central planos pelo governo, poderia haver uma aliança [em relação ao Copom, que define a taxa de juros básica]. Para completar, não se pode esquecer a tragédia no Rio Grande do Sul e ainda uma percepção de fraqueza do governo por ter medidas provisórias devolvidas e dificuldade de negociação como o Congresso.

Ó ministro da Fazenda, Fernando Haddadperdeu a substituição do mercado?
Não existe ministro da Fazenda fraca. Existe governo fraco. Ele [Haddad] acaba incorporando essa imagem porque é o que fica mais exposto.

O governo enfraqueceu?
Estamos vivendo um experimento, porque o governo é de centro-esquerda com um Congresso de centro-direita e um grupo que faz barulho ainda mais à direita. Isso funciona muito bem em repúblicas parlamentaristas.

O mercado defende o parlamentarismo?
Não me sinto à vontade para fazer essa análise. O que posso dizer é que a vida do governo, do ponto de vista de implementar uma agenda que foi eleita pela população, vai ser mais difícil.

A França dá sinais de uma vitória da direita e, nos EUA, Donald Trump crescendo. As incertezas dos mercados maduros acarretam um risco?
Na última década, quem trabalha no mercado financeiro sempre viu motivos para a variação dos preços [dos ativos]. A novidade é que não é só no mercado emergente, não é desenvolvida também.

Os EUA viraram um pouco o Brasil no sentido de descompasso entre política fiscal e monetária?
Por serem a maior economia do mundo, os EUA sempre são vistos com menos incertezas, onde a política monetária e a política fiscal são harmônicas. Isso não é mais verdade. No fim de 2023, chegou-se a precificar, para 2024, entre seis e sete quedas de juros de 0,25 ponto porcentual [cada] nos EUA. Já no primeiro trimestre deste ano houve uma reversão e o mercado precifica apenas duas quedas. Isso acabou valorizando o dólar. Então, os EUA são, com razão, uma fonte de incerteza global.

A dúvida é em relação aos cortes de juros pelo Fed?
Sim, quando ele [BC dos EUA] vai iniciar o corte. Há uma incerteza fiscal nos EUA que deriva de um déficit crescente. E aí um pouco importante o resultado da eleição: se for Trump ou [Joe] Biden, a restrição fiscal já contratada é grande. Só que, ao contrário dos anos anteriores, a taxa de juros reais não é zero. Agora ela está entre 2% e 2,5%. Isso atrai investidores e drena recursos dos emergentes.

A Selic não cairá para um dígito, como quer o governo?
Acreditamos que isso só ocorrerá no ano que vem.

Qual a perspectiva de crescimento do Brasil?
Mesmo com um Tragédia no Rio Grande do Suló PIB deve crescer entre 2% e 2,5%. Se não fosse isso, cresceria entre 2,5% e 3%. O Brasil terá um crescimento do PIB médio nos próximos anos superiores aos últimos 40, uma inflação bem comportada e a valorização do real no médio prazo.

O que chama de inflação bem comportada?
A taxa média de inflação global está entre 3% e 3,5%. Pela primeira vez na história, a gente vai ter uma inflação que convergiu para a inflação global.

O governo sofreu derrotas no Congresso e o ministro da Fazenda sinalizou com um plano de corte de gastos. Isso ajuda no corte dos juros?
Ninguém acredita que vai ter uma bala de prata para resolver o fiscal. Mas cabe ao executivo apontar a direção. A percepção do mercado é a de que o governo não sabe como endereçar essa questão. Toda a agenda fiscal do Executivo e também do Legislativo é aumentar a receita, aumentar impostos. Chegou uma hora em que será necessário compensar os subsídios, desonerações, o aumento do gasto que ocorreu principalmente em 2015 para cá. O Banco Central em breve vai interromper o ciclo de corte de juros e, provavelmente, citará a questão fiscal como um dos fatores.

Qual sua expectativa em relação à autonomia do BC?
Acho que uma parcela do governo já significa que a independência do BC é um valor. Um governo que convive com a inflação elevada e a popularidade baixa. Portanto, como guardião da moeda e cumpridor da meta de inflação, o BC tem que ser visto pelo governo como um aliado.

O status do BC já está precificado pelo mercado?
Não e o mercado está certo quando coloca em dúvida quão independente será o próximo BC.


Raio-X | Cristiano Oliveira

Graduado em Economia (FEA-USP), é mestre em Economia (FGV-SP) com pós-graduação em Finanças (Insper), em Agronegócios (Esalq-USP) e em Ciência de Dados (USP). Joga xadrez, pratica astrofotografia e dronemodelismo. Sua formação vai da economia à agronomia, passando pela climatologia. Nos últimos 24 anos, foi economista e economista-chefe de diversas instituições financeiras, entre elas Itaú-Unibanco, J. Safra, Safra, Fibra e Pine.



FOLHA DE SÃO PAULO

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