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Bolsa do Brasil e real estão entre as perdas do mundo em 2024 – 15/06/2024 – Mercado


A crescente piora da situação fiscal do Brasilaliada às incertezas externas, fez a Bolsa do país sair de um patamar recorde para o pior desempenho entre as principais economias do mundo em 2024. Neste ano, o Ibovespa acumula queda de mais de 10%, descolando-se dos índices globais, que, em sua maioria, registram valorização.

O mau desempenho também ocorre no câmbio: o real já acumula baixa de cerca de 10% em relação ao dólar em 2024, saindo de R$ 4,85 no fim do ano passado por R$ 5,38 na última sexta (14). O desempenho da moeda brasileira só não é pior que o do iene japonês.

A transferência é resultado do aumento da percepção de risco do Brasil entre investidores, em especial após incertezas sobre a condução das políticas econômicas e monetárias. Desde o início do ano, o risco-país calculado pelo CDS de cinco anos acumula alta de 18,67%, sendo um dos únicos, junto com China e Índia, incluindo as principais economias a registrador alta no indicador.

O CDS funciona como uma taxa informal de confiança dos investidores em relação às economias, especialmente as emergentes. Se o indicador sobe, é um sinal de que os investidores têm o futuro financeiro do país.

Para compensar o risco, o mercado exige juros cada vez maiores, e as taxas de contratos para dez anos no país ultrapassaram a marca de 12% neste mês. No início do ano, estavam em 10,36%.

Com a persistência dos ruídos fiscais, as condições financeiras devem permanecer apertadas, e não há previsão de melhoria no curto prazo, dizem analistas.

A sangria dos ativos brasileiros começou por incertezas externas. No fim do ano passado, uma onda de otimismo havia contado o mercadoapós dados fracos de inflação e emprego nos Estados Unidos tiveram apostas de que o Reserva Federaló banco central americano, começaria a cortar os juros do país já em março de 2024.

As taxas americanas têm forte poder sobre o fluxo financeiro global. Quanto mais altos houver os juros dos EUA, maior a atratividade da renda fixa americana, uma das mais seguras do mundo. Com altos rendimentos num mercado de baixo risco, os investidores ficam menos investindo em outros países, em especial nos emergentes.

Com a perspectiva de queda nos juros dos EUA, os mercados de renda variável de todo o mundo registraram-se altos, e alguns deles — incluindo o brasileiro — terminaram 2023 em nível recorde.

Em janeiro, no entanto, o mercado azedou. Novos dados mostraram força surpreendente da economia americana e esfriaram apostas sobre o tão esperado corte nos juros dos EUA. Até hoje as taxas do país seguem na faixa entre 5,25% e 5,50% —maior patamar em 23 anos—, e a estratégia mais otimista espera que a redução ocorra apenas em setembro.

Com isso, a Bolsa brasileira terminou o mês de janeiro com queda de quase 5% e retirada de R$ 12 bilhões de recursos estrangeiros.

A partir de abril, no entanto, as incertezas internacionais pesaram mais. Naquele mês, o governo decidiu diminuir de 0,50% do PIB (Produto Interno Bruto) para zero a meta de superávit primário para 2025, o que aumentou o ceticismo do mercado sobre o compromisso fiscal do governo.

“O mercado já vinha meio desconfiado, e esse foi um motivo forte para aumento da preocupação. Com isso, o BC também passou a adotar um tom mais duro, porque já percebeu uma incerteza grande no cenário externo, mas também incertezas internas, que eram várias”, diz Sérgio Golgenstein, estrategista-chefe de Warren Rena.

As incertezas fiscais viraram uma bola de neve. O risco maior causou alta nos juros futuros e saída de recursos do Brasil, que também contribuiu para a desvalorização do real. Um câmbio desvalorizado, por sua vez, causa aumento nas expectativas de inflação, tornando o cenário mais apertado para o BC continuar a diminuir os juros —gerando, consequentemente, eficiência de juros futuros mais altos.

Não ajudou, aliás, o resultado da mais recente reunião do Copom (Comitê de Política Monetária), que elevou o juro para 10,50%. Na ocasião, a maioria do conselho decidiu diminuir o ritmo dos cortes da Selicenquanto todos os indicados pelo governo votaram por um corte maior.

“A diferença mostrou que há uma divisão dentro do Copom e é um argumento muito negativo para o investidor estrangeiro sobre até que ponto o presidente da República consegue, através dos membros que ele indicou, influenciar a política monetária”, diz Eduardo Moutinho, analista do Ebury Bank.

Goldestein, da Warren, também afirma que os temores dos agentes de mercado foram ampliados após a racha no comitê. “E aí a gente entrou numa escalada bastante negativa, porque os agentes do mercado passaram a considerar que o BC poderia estar mais suscetível a políticas de interferência, e isso levou a um aumento nas expectativas de inflação.”

Quanto à flexibilidade para a Selic, aliás, não param de subir. Se no início do ano o boletim Focus projetava a taxa a 9% no fim de 2024, agora a previsão era para 10,25%, e há no mercado quem não vê mais espaço para cortes neste ano.

Juros em nível alto jogam contra a Bolsa brasileira, pois diminuem a atratividade da renda variável e aumentam os custos de capital para empresas do país.

“A Selic hoje em dia, pelos níveis de preço do mercado, provavelmente não cai mais como imaginávamos, e isso afeta o fluxo de caixa das empresas. Isso se mistura com demora de queda de fluxo de capital lá fora e muito ruído interno, o que não ajuda na segurança de investir em ativos de risco no país”, diz Victor Uébe, gestor de renda variável da EQI Asset.

Nesta semana, por exemplo, o Guia Investimentos prejudicados de 155 mil para 140 mil aponta sua projeção para o Ibovespa no fim deste ano, citando a Selic mais alta e o aumento do endividamento e do risco fiscal no país.

No câmbio, a Selic em alta deveria, em tese, beneficiar a moeda local, justamente para aumentar a atratividade do país. Os ruídos internos, no entanto, limitaram o espaço para avaliação do real —e atingiram um novo patamar na última semana.

Na quarta (12), o dólar atingiu a marca de R$ 5,40, a maior desde janeiro de 2023, e a Bolsa brasileira renovou os mínimos do ano após uma nova derrota do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, em sua tentativa de equilibrar as contas públicas. Além disso, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) afirmou que o ajuste fiscal se dará através do aumento de arrecadação, sem mencionar cortes de gastos.

Para o mercado, o episódio reforçou que Haddad está enfraquecido dentro do governo e descredibilizou ainda mais o compromisso do Executivo com o ajuste fiscal.

“Essa falta de previsibilidade em relação a impostos de juros e fiscais acaba afastando investidores. Ninguém gosta de incerteza, e no momento o Brasil está cheio delas. Parece que enquanto a equipe econômica quer fazer uma coisa, o presidente quer fazer outra. Esse descasamento acaba sendo negativo para os mercados”, diz Moutinho, do Ebury.

Com o pessimismo crescente sobre o cenário fiscal do Brasil, a avaliação é que, mesmo que o Fed comece a cortar juros nos EUA, o país deve continuar sendo penalizado pelos ruídos internos.



FOLHA DE SÃO PAULO

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