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Carta de Buffett ilustra cegueira sobre aquecimento global – 15/06/2024 – Candido Bracher


“Quando ganhamos com clima, acabamos nos acostumando a repetir as coisas, pois ninguém parece ouvir na primeira vez.”

A frase de Steven ChuNobel de Física e secretário de Energia dos EUA no governo Obamaajudou-me a vencer minhas resistências em voltar ao tema do aquecimento global. Mesmo porque, a cada volta, você percebe algo novo, que pode valer a pena compartilhar.

Como imagens da Tragédia no Rio Grande do Sul A consciência de que boa parte das famílias desabrigadas não tem para onde retornar —porque, ainda que seus lares não tenham sido destruídos, a perspectiva da repetição das inundações desencoraja qualquer esforço de recuperação— tornou indiscutível a ideia de que a necessidade de investimento em adaptação às mudanças climáticas é tão importante quanto o esforço para sua mitigação.

Explico. Até então, eu acreditava que o essencial era combater a causa raiz do aquecimento global, através da redução de emissões de gases de efeito estufa (GEE), até atingirmos globalmente o net zero, em 2050.

Eu via a preocupação com a adaptação às mudanças climáticas quase como uma atitude diversionista ou protelatória, que enfraqueceria nossa determinação em evitar o aquecimento global acima de 1,5ºC. Eu estava errado.

(Hoje compare essa ideia ao comportamento dos estudantes membros da Libelu nos anos 1970, que condenavam qualquer ação social “assistencialista”, na medida em que —ao atenuarem o sofrimento do proletariado— enfraqueciam a disposição revolucionária.)

A perspectiva de que características climáticas extremos como as inundações no Sul, ou os incêndios no pantanalterão frequência e intensidade crescentes nos obrigam a planejar e investir significativamente em medidas de adaptação a seus impactos.

O professor de Columbia Harrison Hong (citado por Marcos Lisboa em sua coluna na semana passada), em palestra recente no Insper, defendeu com argumentos convincentes de que países que investem mais em infraestrutura para fazer frente aos extremos climáticos elevam suas perspectivas de crescimento em pelo menos 1% ao ano.

Decorre essa afirmação a necessidade premente de capitalização do fundo para as nações mais pobres, anunciada na abertura da COP28em Dubai, cujos recursos hoje ainda são um pouco mais que simbólicos.

Na falta desse apoio, os próximos anos verão um aprofundamento do fosso que separa esses países do mundo desenvolvido, com o consequente agravamento da crise humanitária e seus impactos migratórios.

E quanto à redução das emissões e à contenção do aquecimento a 1,5ºC?

Nesse ponto, as notícias são ruínas ou, na melhor das hipóteses, conflitantes.

Por um lado, a comunidade científica eleva o tom dos seus alertas, ante a incapacidade dos líderes globais de estabelecer regras que levem à redução sustentada das emissões de GEE.

Em uma pesquisa recente do jornal inglês O guardião com 350 cientistas do IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas da ONU, na sigla em inglês), 77% acreditam que as temperaturas se subirão em 2,5ºC, ou mais.

Se com 1,5ºC já assistimos a uma série inédita de eventos gravíssimos, a perspectiva de atingir os 2,5ºC faz temer pelo mundo em que nossos filhos e netos viverão.

Por outro lado, há uma série de perspectivas alvissareiras, com avanços tecnológicos e tomada de consciência por parte de pessoas, empresas e países, que talvez permitam sonhar com uma reversão de tendência e redução acelerada das emissões.

Procurar encontrar alento na frase do economista R. Dornbuschque pode se aplicar além do campo econômico: “(Em economia), as coisas demoram mais a acontecer do que você pensa, e então ocorrem mais rápido do que você imagina”.

(O leitor atento observará que a frase acima, como uma faca de duas gomas, pode aplicar-se tanto à redução das emissões quanto ao agravamento dos eventos climáticos. É o que temos.)

O sinal mais preocupante, contudo, é a postura impassível da indústria petroleira global, que parece ignorar completamente seu impacto sobre uma crise climática, limitando-se a investimentos marginais em energia renovável e um discurso vazio sobre transição energética.

Tudo isso enquanto ampliamos a exploração de novas áreas e anunciamos, apenas nos últimos meses, aquisições desses valores de mais de US$ 75 bilhões só são justificáveis ​​em um cenário de manutenção do consumo de combustíveis fósseis.

Um exemplo claro dessa “cegueira deliberada” encontra-se na prestigiada carta anual da Berkshire Hathaway, do grande investidor Warren Buffett. Neste ano, Buffett discordou sobre a frustração de seus investimentos de longo prazo em distribuição de energia elétrica.

Essa atividade muito estável, que historicamente permite uma margem de ganhos modesta, mas constante, está ameaçada pela recente multiplicação de incêndios florestais e pela consequente exposição das empresas de energia a ações legais bilionárias, que buscam obtê-los cor nos sinistros. Buffett chega a pensar em abandonar os investimentos nessa área, ao afirmar que não colocará “dinheiro bom sobre dinheiro ruim”.

Não teria nada de estranhar nas afirmações acima, não fosse o fato do investidor, na mesma carta, enaltecer as perspectivas de lucro de sua participação na Occidental Petroleum. Nenhuma relação é estabelecida entre o aumento na ocorrência de incêndios e o aquecimento decorrente das emissões do petróleo. Todo ganho com combustíveis fósseis é considerado louvável, e as perdas decorrentes do seu consumo devem ser arcadas pela sociedade.

Diante da gravidade dos alertas dos cientistas, da evidência dos acidentes “socioambientais”, dos custos e dos riscos crescentes impostos à sociedade e do imobilismo dos principais responsáveis ​​—sejam estes agentes privados, sejam públicos—, parece ser mesmo necessário repetir, repetir, repetir .



FOLHA DE SÃO PAULO

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