No Brasil, assim como em diversos outros sistemas tributários pelo mundo, a legislação regulamenta os chamados regimes de tributação, ou seja, as condições em que o contribuinte deve enquadrar seus resultados, operações, rendimentos ou rendas para a aplicação das alíquotas de cada tributo existente .
É possível dizer que as empresas brasileiras podem optar por quatro regimes tributários diferentes: Microempreendedor Individual (MEI), Simples Nacional, Lucro Presumido e o Lucro Real. O enquadramento define quais obrigações deverão ser cumpridas pelos contribuintes, além de determinar uma série de outras especificidades.
No Lucro Real, a apuração dos resultados é realizada periodicamente, o que pode ser mensal, trimestral ou anual e, simplificadamente, o exercício principal envolve a subtração dos custos e despesas da receita auferida no período de apuração; sobre a diferença positiva, o lucro, são aplicados as alíquotas dos impostos devidos.
Neste regime, portanto, é extremamente importante manter registros precisos e completos de cada transação, a fim de comprovar a veracidade dos valores declarados. Vale dizer que essa é uma modalidade mais complexa, burocrática e que exige o cumprimento de uma série de obrigações acessórias.
Por outro lado, quando uma empresa, ao final de um exercício, verifica em sua contabilidade que obteve despesas e perdas superiores às suas receitas, verifica-se um prejuízo.
A partir dessa informação, são realizados alguns ajustes, uma vez que nem todas as despesas contábeis são dedutíveis para fins fiscais, e certas receitas também podem estar sujeitas a tratamentos especiais diferenciados. Com isso, após a realização dos ajustes fiscais, apura-se o resultado, que poderá ser de prejuízo.
Essa informação está inserida no Livro de Apuração do Lucro Real, também conhecido pela sigla LALUR, um livro de escrituração de natureza eminentemente fiscal, criado pelo Decreto-Lei nº 1.598/1977, conforme previsão do § 2º do art. 177 da Lei nº 6.404/1976 (Lei das SA’s) e alterações posteriores, e destinadas à apuração extracontábil do lucro real, sujeitas à tributação pelo imposto de renda em cada período de apuração.
Vale destacar que, uma vez que ocorre um prejuízo no período de apuração, esse prejuízo pode ter duas classificações específicas: o prejuízo contábil, apurado pela contabilidade na demonstração do resultado do exercício, e o prejuízo fiscal, apurado na demonstração do lucro real.
A apreciação dos prejuízos fiscais segue as regras aplicáveis na legislação societária, enquanto as regras de compensação dos prejuízos fiscais são determinadas pela legislação tributária. Logo, o prejuízo passível de tributação tributária – que pode ser utilizado para extinguir o crédito tributário – é aquele apurado na demonstração do lucro real de determinado período, obedecendo às normas da legislação tributária.
Esse prejuízo fiscal é registrado na Parte B do LALUR, para compensação nos períodos de apuração subsequentes, independentemente da indenização ou cobrança de prejuízo contábil. Seu controle é feito exclusivamente na Parte B, utilizando uma conta distinta para o prejuízo correspondente a cada período.
A utilização desse prejuízo fiscal para liquidação com lucro real apurado posteriormente em períodos de purificação subsequentes pode ser realizada, total ou parcialmente, apesar do prazo, devendo ser coletada apenas, em cada período de depuração, o limite de 30% do lucro líquido ajustado. (lucro líquido do período + adições – exclusões). O valor utilizado é transferido para a conta de controle (Parte B) e transferido para a Parte A do LALUR, para ser computado na demonstração do lucro real, que será registrado como compensação.
Ao longo da história, houve uma mudança significativa na postura governamental em relação à política tributária envolvida na compensação. No passado, a legislação impunha somente travas temporais para que as empresas utilizassem essa modalidade de extinção do crédito tributário.
Contudo, essa regra foi modificada com a publicação do art. 42 da Lei nº 8.981/1995 e dos artigos 15 e 16 da Lei nº 9.065/1995, nas quais o legislador substituiu a limitação temporal por uma limitação quantitativa.
A partir dessa alteração, o exercício do direito de compensar os prejuízos apurados passou a ser exercido indefinidamente, sem limitações de prazos. Porém, só é possível compensar até o limite de 30% do imposto devido.
Portanto, desde 1995, as empresas não podem compensar integralmente os valores devidos, mesmo tendo prejuízo fiscal acumulado suficiente em seus registros, obrigando-as a coletar 70% dos impostos apurados a cada período com lucro, gerando muito mais receita ao Fisco e piorando severamente a competitividade das empresas brasileiras no cenário internacional.
Isso porque, a partir do estudo Worldwide Tax Summaries – Corporate Taxes 2018/19, realizado pela PWC, verifica-se que mais de 50 países ao redor do mundo permitem a utilização de prejuízo fiscal em suas legislações tributárias, e somente 11 travas quantitativas como o Brasil. O exemplo brasileiro é seguido por países como Venezuela e Arábia Saudita, que ainda mantêm dificuldades semelhantes, o que evidencia nossa deficiência de competição no mercado internacional.
A maior parte dos países desenvolvidos possui apenas regras temporais, impondo condições apenas sobre os prazos para isenção de impostos futuros, mas permitindo que esses sejam realizados integralmente.
Por outro lado, desde agosto de 2022, com a publicação da Portaria PGFN nº 6.757, existe a possibilidade de uma utilização mais abrangente do prejuízo fiscal acumulado, que agora pode ser utilizada na composição do pagamento de débitos envolvidos em uma transação tributária.
Assim, a partir da edição da norma acima, todas as empresas com prejuízo fiscal acumulado podem quitar até 70% de seus subsídios inscritos na dívida ativa.
Esse novo uso do prejuízo fiscal, muito mais abrangente, gerou um movimento protetor. De acordo com as informações levantadas em um relatório produzido pela equipe de Reestruturação Corporativa da LBZ Advocacia, após essa permissão, cerca de 14% das transações tributárias individuais fizeram uso do prejuízo fiscal na composição de pagamento e esse número deverá crescer exponencialmente nos próximos meses.
Tal cenário certamente deve ser o fato de que essa nova modalidade permite a utilização de um estoque gigantesco de prejuízo fiscal acumulado ao longo dos anos pelas empresas, possibilitando a composição do pagamento mesmo após a aplicação dos descontos cabíveis.
Por essas razões, a nova modalidade de utilização de prejuízo fiscal como forma de pagamento das transações oferece benefícios consideráveis às empresas, que podem reestruturar seu passivo fiscal com um desenho de caixa expressivamente menor, fomentando a necessidade de análise estratégica do passivo para a composição de um cenário que pode representar um ganho de competitividade.