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Reforma tributária contributiva para segurança alimentar – 17/06/2024 – Shireen Mahdi


A reforma tributáriaatualmente em debate não Congresso brasileiro, não se trata apenas de uma política fiscal. É também uma política de saúde. Isso porque moldará a produção e o consumo de alimentos e, como resultado, o sistema que permite (ou não) que todas as famílias brasileiras tenham acesso a alimentos saudáveis. Tal fato foi reconhecido na emenda constitucional que deu início à reforma, com a criação do Imposto Seletivo sobre produtos e serviços relacionados à saúde ou ao meio ambiente. O projeto de lei complementar que regulamenta a reforma incluiu nessa categoria, entre outros itens, tabaco, álcool e refrigerantes.

Existe ampla evidência e experiência global –inclusiva em um estudo recente do Banco mundial– para mostrar que a tributação desses produtos pode provocar um ganho triplo, melhorando a saúde da população por meio da redução do consumo, reduzindo os gastos públicos para tratar os problemas de saúde e gerando recursos adicionais para políticas públicas. Considerando esses dados, o Imposto Seletivo seria o melhor mecanismo para efetivamente reduzir o consumo desses produtos.

Outro debate em curso na reforma tributária é sobre como o Imposto sobre Valor Agregado (IVA), que tributará o consumo de todos os brasileiros, pode promover um padrão de consumo mais saudável. Na proposta atual de reforma, o IVA seria aplicado a três categorias de alíquotas: zero (isento de imposto), reduzida (60% da taxa do IVA) e cheia. Na proposta atual, para alimentos, a alíquota zero é aplicada a alimentos da cesta básica, que inclui, em sua maioria, produtos saudáveis ​​in natura ou minimamente processados, conforme recomendado pelo recomendado Guia Alimentar para a População Brasileira. Em princípio, isso criaria um aumento relativo aos preços dos ultraprocessados, o que desencorajaria seu consumo.

No entanto, hum documento recente do Núcleo de Pesquisas Epidemiológicas em Nutrição e Saúde (Nupens) da USP estima que o consumo de alimentos e bebidas ultraprocessados ​​cairia 19,6% com a inclusão de um Imposto Seletivo adicional de 20% ao imposto base do IVA, de 27%. Sem isso, a redução do consumo seria de apenas 7,2%.

Isentar mais produtos ultraprocessados ​​com alíquota zero ou reduzida do IVA não faz sentido do ponto de vista de saúde nem do ponto de vista fiscal e teria resultados não equitativos. Isso porque incentivaria a produção e o consumo de produtos comprovadamente inovadores para a saúde. Além da obesidade e do sobrepeso, o consumo de ultraprocessados ​​tem sido associado à mortalidade precoce, a doenças cardiovasculares, hipertensão e câncer, entre outras doenças não transmissíveis (DCNT).

Uma vez que uma reforma fiscal precise ser fiscalmente neutra, colocar alimentos ultraprocessados ​​na alíquota zero significaria que a população brasileira passaria de fato a subsidiar a produção deles, pois outros produtos deveriam ser tributados como compensação. Simulações usando a nova ferramenta do Banco Mundial mostram que colocar todos os alimentos na alíquota zero levaria a um aumento de quase 29% na alíquota padrão de IVA. Considerando a clara associação desses alimentos com obesidade e DCNTs, a população também pagaria com resultados de saúde, além de um sistema de saúde público e de planos privados cada vez mais sobrecarregados e caros.

Atualmente, os alimentos in natura representam mais de 50% do consumo de todas as faixas econômicas, com exceção do decil mais alto (grupo dos 10% da população com maior consumo). Enquanto isso, o consumo de ultraprocessados ​​ainda não representa mais que 30% do consumo em todos os decididos. Em especial, as decisões mais pobres tendem a consumir proporcionalmente menos ultraprocessados. Essa informação diferencia o Brasil de países como os Estados Unidos, onde os ultraprocessados ​​representam quase 60% do consumo energético.

No entanto, dados recentes mostram um rápido crescimento no consumo de ultraprocessados, inclusive entre populações de baixa renda. Nesse sentido, o país necessita de políticas públicas para coibir tal transição e evitar a piora nas condições de saúde que ela provocaria. E a reforma tributária poderia ser uma delas. Considerando-se que os alimentos in natura são uma categoria mais sensível às mudanças de preço, em particular para os produtos mais pobres, preços mais acessíveis para que também evitem um impacto positivo e progressivo, essencial para a segurança alimentar.

Não podemos esquecer que como DCNTs são responsáveis ​​por 75% das mortes de brasileiros. O consumo de ultraprocessados ​​foi relacionado a 57 mil mortes precoces no Brasil em 2019, com impactos crescentes nas novas gerações. Uma em cada 10 crianças e um em cada três adolescentes brasileiros tinha excesso de peso em 2022, segundo um estudo da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). O Atlas Mundial da Obesidade de 2024 prevê que até 50% das crianças e adolescentes brasileiros entre 5 e 19 anos terão excesso de peso até 2035. Mudar hábitos de consumo já arraigados é muito difícil mais e caro, e nossa janela de oportunidade está se fechando . Nesse sentido, a Reforma Tributária pode ser uma excelente política de promoção de saúde.


Este artigo foi escrito em colaboração com meus colegas do Banco Mundial Courtney Price Ivins (especialista sênior em saúde), Roberto Iunes (economista sênior na área de saúde) e Bernardo Dantas (consultor na área de saúde).


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FOLHA DE SÃO PAULO

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