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Argentina: Suposto plágio coroa momento difícil de Milei – 21/06/2024 – Mercado


Javier Milei parece eufórico. No centro do palco do Luna Park —uma mítica casa de eventos de Buenos Aires Aires– ó presidente argentino Escolheu cantar “Panic Show” para recepcionar apoiadores.

A música da banda de rock La Renga tornou-se uma espécie de hino anarcocapitalista. Ela fala de um leão (um dos apelidos do presidente, de cabelo desgrenhado, que lembra uma juba) destruindo inimigos e se autoproclamando “rei de um mundo perdido”.

A apresentação, em maio, era a festa de lançamento de “Capitalismo, Socialismo y la Trampa Neoclássica”, seu livro mais recente, ainda sem edição no Brasil.

O show foi acompanhado de um painel para discutir os temas envolvidos por ele no livro, o primeiro que lançou desde que noivo da Casa Rosadaem dezembro do ano passado.

Assim como acima, a nova obra começa com uma coleção de discursos recentes de Milei, como o que ele deu no Fórum Econômico de Davos, em que questiona a própria ideia de justiça social.

Na segunda parte, o homem que ganhou as eleições de 2023 com um discurso de dolarização e fim do Banco Central faz uma análise do crescimento econômico, com críticas ao socialismo e ao ensino de economia na Argentina —que forma, em suas palavras, “escravos da religião do Estado”.

Não deixa de ser curioso, portanto, a escolha das fotos que ilustram a capa do livro: contornando o título, uma Havana socialista com prédios arruinados contrasta com uma reluzente Singapura (que respira capitalismo, mas onde o Estado pode ser tudo, menos ausente) .

Enquanto o libertário era apresentado, canais de TV menos alinhados com o ajuste que o governo tem feito na economia aproveitavam as imagens do evento para repercutir dados recentes de queda da atividade econômica (de 8,4% em março) e seus reflexos na renda.

Nos dias seguintes, o governo ainda se veria envolvido em um escândalo por não distribuir alimentos guardados em galpões, em um momento em que uma pobreza que nenhum país promoveu para 55,5% e a indigência para 17,5%, segundo a UCA (Universidade Católica Argentina).

O ministério responsável por repartir a comida também é acusado de abrigar funcionários fantasmas. Milei foi obrigada a sair a público em defesa do ministério, Sandra Pettovello, enquanto o governo lida com aumento da brecha entre os tipos de dólar, recomposição de aposentadoriastrocas no gabinete e desconfianças por parte do mercado e do campo a respeito da sustentabilidade do plano de ajuste.

Ao mesmo tempo, no dia 12 de junho o governo finalmente conseguiu avançar no Senado com uma versão mais branda da Lei de Bases e, no dia seguinte, puderam comemorar inflação de 4,2% em maio —ainda que diversos analistas projetam uma repique em junho.

Mas o lançamento do livro também foi ofuscado por outro motivo. Segundo reportagem de Tomás Rodriguez, para a revista Notícias, “Capitalismo, Socialismo y la Trampa Neoclásica” pode ter mais de uma dezena de plágios de trabalhos de outros economistas.

A lei de propriedade intelectual da Argentina determina que a reprodução de trechos de outras obras é legal, desde que a fonte seja referenciada.

As supostas cópias se referem, principalmente, ao artigo de 2000 “Demanda por Dinero: Teoría, Evidencia, Resultados”, publicado por Verónica Mies e Raimundo Soto, da UC (Pontificia Universidad Católica de Chile).

Na edição digital do livro de Milei à qual a Folha teve acesso a trechos idênticos que não estão entre aspas, os autores não são referenciados em notas de rodapé e não há referência a eles no fim da obra.

“Talvez uma das invenções mais impressionantes do ser humano seja a criação do dinheiro”, escreveram os professores chilenos no artigo.

Um parágrafo idêntico e trechos a seguir aparecem na seção do livro de Milei que trata do equilíbrio macroeconômicopor exemplo.

Também há um trecho igual ao que figura na edição de 2007 de “Teorias Econômicas sobre o Mercado de Trabalho”, obra conjunta de pesquisadores de uma das instituições que, durante a campanha eleitoral, Milei prometeu fechar, o Conicet (Conselho Nacional de Pesquisas Científicas e Técnicas, na sigla em espanhol).

“O capital político de Milei foi construído sobre a ideia de que ele é alguém que domina as questões econômicas. Bem, uma pessoa que sabe tanto não tem necessidade de plagiar”, disse o jornalista Tomás Rodriguez à Folha.

Questionada, a editora Planeta disse que não iria comentar o caso. Procurados, os economistas chilenos e a Universidade Católica do Chile não responderam.

Em entrevistas à mídia de seu país, Julio César Neffa, que especifica o trabalho do Conicet, disse não ter lido o livro do presidente, mas, caso ele tenha mesmo comprometimento esses plágios, trata-se de uma falta de ética.

Também questionada, a Casa Rosada não respondeu. Na véspera do evento no Luna Park, o porta-voz, Manuel Adorni, rebateu a revista e afirmou que tudo estava de acordo com a lei de propriedade intelectual. “Quando fiz uma reportagem a respeito de ‘Pandenomia’, tudo também foi uma grande farsa.”

Adorni se refere a uma investigação anterior da revista Noticias, sobre outro livro de Milei, “Pandenomics”, de 2020, em que ele aponta alternativas ultraliberais para a economia após a pandemia de Covid.

A revista publicou que ele replicava textos de outros autores, entre eles “Las Matemáticas de las Epidemias: Caso México 2009 e Otros”, um artigo sobre estatísticas de epidemias anteriores.

A publicação entrevistou em maio de 2022 o autor principal desse artigo, o cientista mexicano Galindo Uribarri. “Foi o único caso em que um plagiou-me disse que abriria ações judiciais e que iria até o fim. Infelizmente, para ele, não deu tempo”, diz Rodriguez. O pesquisador morreu em setembro daquele ano.

Durante a campanha argentina, em 2023, o principal rival de Milei na disputa, o candidato governamental Sergio Massa, chegou a mencionar o caso, para irritar o anarcocapitalista.

“Javier, eu nem posso citar as suas referências específicas, já que no último livro que você escreveu há três discussões de plágio”, disse Massa a Milei, que o chamou de mentiroso.

“Alguém poderia dizer que era óbvio que iríamos procurar novos casos de plágio. Então, a pergunta é: o que passa pela cabeça de Milei para ele continuar fazendo isso?”, questiona Juan Luis Gonzálezautor de “El Loco”, biografia não autorizada do presidente.

“Essa interrupção e essa necessidade de transcendência fazem com que Milei cometa erros graves, como se gabar da capa da revista Time com sua foto, quando o próprio artigo nem era tão simpático a ele. Há um desejo muito forte de estar no centro do palco”, acrescenta Rodriguez.



FOLHA DE SÃO PAULO

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