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Fiador do real, Itamar Franco pedia controle de preços – 22/06/2024 – Mercado


No final de junho de 1994, a Poucos dias do real entrar em circulação, o telefone de Rubens Ricupero tocou no Ministério da Fazenda. Era Itamar Franco.

O presidente da República queria, aos 45 do segundo tempo, incluir no novo plano económico alguma medida de controlo de preços. Com a diplomacia do ex-embaixador brasileiro na Itália, o ministro explicou mais uma vez que aquilo estava destinado ao fracasso. Não havia dado certo antes e não daria aquela vez.

“Não estou confirmado. A responsabilidade é do senhor”, devolveu Itamar antes de desligar o telefone.

Quando Fernando Henrique Cardoso deixou a Fazenda, em março daquele ano, para iniciar a campanha presidencial, seu maior temor foi a volta da pressão vinda do Palácio do Planalto por maior intervenção do governo na economia. Itamar encrespou com Edmar Bacha, um dos pais do realpor causa da liberdade da taxa dos juros.

Três décadas após o lançamento da nova moeda, o papel do então presidente no controle da inflação acabou ofuscado pelos economistas que bolaram e executaram o plano econômico e, claro, por Fernando Henrique Cardoso. Era algo que Itamar temia. Antes de nomeá-lo para a Fazenda, falou a seus auxiliares mais próximos sobre o medo de FHC se tornar um primeiro-ministro informal.

Foi exatamente o que aconteceu.

“O mérito do Itamar foi ter entendido que era necessário assumir um plano ousado. Obviamente que, durante o período em que esteve à frente do governo, ele fez pressão para os interesses da população atendida”, afirma Lourival Batista de Oliveria Júnior, economista , professor da Universidade Federal de Juiz de Fora e conselheiro do Memorial da República Presidente Itamar Franco.

A necessidade de firmar autoridade e deixar sua marca era uma luta para sair da sombra. Escolhido em um arranjo político para a chapa de Fernanda Collor de Mello, ele era desprezado pelo presidente eleito em 1989. Sua presença em reuniões era ignorada. Sequer tivesse sido o preferido pelo candidato para estar na cédula eleitoral. Os nomes prediletos para vice eram os de Helio Garcia e Sarah Kubitschek.

“Quem?”, perguntou Collor quando o ajudante de ordem queria saber onde Itamar deveria ficar durante o discurso de posse.

O recado era simples: o político mineiro, opositor do regime militar e da lei do dados (a qual votou contra em 1977) não deveria estar por perto.

Itamar Franco foi crítico do confisco da poupança do Plano Collor e o clima de desconfiança era constante. O presidente perdeu que seu vice era um conspirador. Quando os escândalos que levariam ao impeachment conseguiu a estourar, foi a hora da vingança. Ao ser questionado se sabia quem era PC Farias, um dos pivôs dos casos de corrupção na administração federal, Itamar disse não conhecê-lo.

“Não tenho intimidade com ninguém deste governo que está aí”, respondeu, em diálogo reproduzido em “O real Itamar: uma biografia”, de Ivanir Yazbeck.

Embora Fernando Henrique Cardoso fosse o homem ideal na Fazenda para enganar os mercados e controlar a inflação, o vice que assumiu a Presidência no início de outubro de 1992 ficou desconfiado do pedido de “carta branca” do seu novo homem forte da economia. FHC afirmou, em duas conversas por telefone com Itamar, não abrir mão da liberdade para determinar os mandatários da Caixa Econômica Federal, Banco do Brasil e Banco Centralo ministro do Planejamento, o secretário da Receita Federal e todos os seus assessores.

Houve concordância, a princípio. Quando FHC chegou ao Brasil, o presidente havia confirmado a manutenção de Alexis Stepanenko no Planejamento. Nomeou Osiris de Azevedo Lopes Filho para a Receita Federal. Manteve Alcir Calliari no Banco do Brasil e Danilo de Castro na Caixa.

Fernando Henrique havia indicado Luiz Felipe Lampreia para substituí-lo no Ministério das Relações Exteriores. Itamar escolheu seu amigo José Aparecido de Oliveira. Ao saber da novidade durante um almoço, Mario Covas se engasgou. A carga deveria ter sido destinada ao PSDB.

“O novo ministro da Fazenda já chegou levando bola nas costas”, comentou Gustavo Krause.

Então deputado federal, Krause foi o primeiro a ser chamado por Itamar para comandar a economia. Um dos quatro a desempenharem a função nos primeiros 232 dias do novo governo. Depois dele vieram Paulo Haddad, Eliseu Padilha e FHC. Já com o Plano Real em andamento, Rubens Ricupero e Ciro Gomes sentaram na cadeira.

Era uma rotatividade tão alta que, ao se apresentar ao presidente do Banco Mundial, Lewis Preston, Padilha sentiu a necessidade de se explicar.

“Senhor Preston, eu sou ministro da Fazenda há apenas dois meses…”

“Isso é um recorde no Brasil?”, devolveu o banqueiro, segundo relato de Ricupero em seu livro de memórias, lançado no mês passado pela Editora Unesp.

Padilha foi demitiu por ter influenciado a concessão de empréstimos para a Odebrecht executar obras no Peru. A construtora, para quem ele já trabalhava anos antes, pagou sua estadia em um hotel durante viagem a Nova York.

Eliseu Padilha também foi alvo da contrariedade de Itamar, inconformado porque também nas ideias deste ministro não houve nenhuma medida para controlar os preços.

O presidente não desejava apenas fazer as remarcações nos supermercados. Queria colocar cabresto nos empresários que, na visão dele, não tinham visão patriótica. Em conversa com jornalistas durante a passagem pelo Chile, chegou a dizer ter o sonho de que eles foram presos por abuso econômico. Opinou não adiantar mais conversar com quem se aproveitava da miséria do povo.

Ele se sentiu frustrado porque as tentativas de diálogo, o pacto nacional ou outras medidas do governo não diminuíram o custo de vida e os juros. A inflação foi projetada para 32% em junho de 1994, antes da troca da moeda.

“O Brasil precisa esquecer Nova York, Manhattan e pensar nas suas favelas”, afirmou.

O que ele tinha na cabeça, no fundo, era um tiro que abatia a inflação. E o padrão ouro era o Plano Cruzadoque levará a popularidade de Jose Sarney a 80% de aprovação popular na Presidência em 1986 apoiou o não congelamento de preços. Meses depois, tudo daria errado.

“Itamar acreditava sinceramente na possibilidade de um plano que desse cabo do risco da hiperinflação. Contudo, da mesma forma que a imensa maioria dos políticos brasileiros, imaginava alguma coisa na linha do que havia sido o Plano Cruzado, uma espécie de milagre indolor que resolvesse de imediato todos os problemas sem nenhum custo político”, escreveu Ricupero, confirmando que o presidente era influenciável, de pavio curto, impulsivo e inseguro em relação à própria autoridade.

“Mas possuía a virtude de escutar e não insistia quando se convencia de haver comprometimento um equívoco”, completou.

Sendo fácil ou difícil convencê-lo, a equipe econômica escondeu o anúncio de medidas até o instante final, para evitar tentativa de interferência. Reclamava-se da influência do “grupo de Juiz de Fora”, amigos de longa data e vindos da mesma cidade mineira onde nasceu Itamar. Um dos principais membros era Henrique Hargreaves, ministro-chefe da Casa Civil.

A visão nacionalista de pessoas próximas a ele era que FHC seria entreguista e privatizaria vários estados se fosse eleito presidente.

A venda de empresas públicas gerou uma discussão áspera com outro auxiliar de Fernando Henrique. Reclamou a Pérsio Arida que, na privatização do sistema eléctrico, deveriam ser leiloadas apenas as companhias menores. Seria necessário um amplo debate nacional sobre o assunto e se houvesse a venda, este deveria ser pelo valor dos ativos, não por um preço menor.

O economista rebateu que era melhor perder nos ativos do que o governo seguir a uma custódia estatais deficitárias.

Dentro do seu temperamento explosivo e inseguro, a convivência de Itamar com FHC fez com que o trabalho pelo lançamento do real fosse recheado de reclamações. Uma pequena vitória do presidente foi conseguir incluir item na lei para que oligopólios fossem chamados a dar resposta em caso de aumentos considerados abusivos.

O político que chegou ao poder no meio de uma profunda crise política conseguiu, pelo menos, o objetivo primordial que confessou a seus assessores: arrumar a casa e entregar o país em ordem para seu sucessor.

“Sem Itamar, não teria sorte Fernando Henrique Cardoso no Ministério da Fazenda, nem a equipe que FHC atraiu, nem Plano Real. A ele se deve a criação das condições da existência do real, porque acreditou na possibilidade de um plano quando praticamente ninguém no Brasil levava tal coisa a sério”, elogiou Ricupero em suas memórias.

A popularidade derivada da estabilidade econômica também fez bem ao deixar a Presidência. Foi eleito governador de Minas Gerais em 1998. Continuou fiel aos seus princípios e ao pavio curto. Decretou moratória da dívida estadual, retomou o controle da privatizada Cemig (Companhia Energética de Minas Gerais) e propôs criar um movimento popular contra a venda da empresa energética Furnas.

Durante o mandato não SenadoItamar Franco morreu após sofrer um acidente vascular cerebral em junho de 2011. Ele tinha 81 anos.



FOLHA DE SÃO PAULO

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