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Herança da indexação pressionada contas e inflação alimentar – 22/06/2024 – Mercado


Adotada como mecanismo de defesa contra a corrosão do poder de compra pela inflaçãoa indexação da economia brasileira foi concluída após a implementação do Plano Realmas ainda está presente mesmo 30 anos depois do lançamento da nova moeda.

Sua persistência tem significado ambíguo: ao mesmo tempo em que ajuda a proteger o bolso dos cidadãos mais vulneráveis, ela também exerce pressão sobre as contas públicas e serve de motor para a chamada inércia inflacionária (reajuste que incorpora aos preços os efeitos da inflação passado).

A divulgação do uso de índices econômicos para acertar preços e contratos de forma automática a partir dos anos 1960 foi um dos fatores que desenvolveu para a espiral inflacionária vivida pelo Brasil na década de 1980 e no início dos anos 1990.

Economistas avaliam que ter uma economia menos indexada é mais saudável e facilita o trabalho do Banco Central de manter a estabilidade da moeda. Por outro lado, eles reconhecem que algum grau de indexação ajuda a diminuir desigualdades.

A síntese mais recente desse dilema ficou evidente no debate sobre eventual desvinculação entre benefícios da Previdência Social e o salário mínimo.

A política de valorização do piso, retomada pelo governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), assegura aos beneficiários um ganho real em seu poder aquisitivo. Ao mesmo tempo, amplia a demanda por bens e serviços (o que pode se refletir nos preços) e acentua a pressão sobre o Orçamento federal.

Dois terços das despesas da União (67,1%) são corrigidos por índices de preços ou salário mínimo, o que inclui benefícios previdenciários e assistenciais. O desafio do governo é conciliar o aumento automático desses gastos com as regras fiscais em vigor.

A maior pressão vem justamente da Previdência. Dois terços dos benefícios são equivalentes ao piso, que é duplamente indexado: tem correção pela inflação do ano anterior mais a variação do PIB (Produto Interno Bruto) de dois anos antes.

Uma ministra Simone Tebet (Planejamento e Orçamento) defendeu, em entrevista ao jornal Valor Econômico, a desvinculação dos benefícios para atenuar a trajetória crescente das despesas e dar mais flexibilidade ao governo na gestão do Orçamento.

A proposta, polêmica, foi descartada pelo ministro Fernando Haddad (Fazenda). Agora, o tempo de Tebet aposta na rediscussão das regras de outras políticascomo abono salarial e seguro-desemprego.

O debate já existia em gestões anteriores. Sem governo JairBolsonaro (PL), o então ministro Paulo Guedes (Economia) chegou a discutir a flexibilização da correção do salário mínimo, que não teria mais a inflação passada. A ideia não saiu do papel.

O economista André Braz, coordenador de Índices de Preços do FGV Ibre, afirma que não existe uma resposta fácil para a questão. “Como é que a gente discute desindexação sem desproteger, sem desamparar pessoas que precisam de algum nível de proteção desses reajustes, que muitos são às vezes até perversos demais?”, diz.

Segundo ele, o debate da Previdência é polêmico, mas ele defende analisar também os aspectos sociais envolvidos.

“Nosso país é extremamente desigual. Tem um número muito grande de famílias que vivem com o salário mínimo. Não é uma pessoa, é uma família inteira. Isso não dá para nada. Então, uma forma de você diminuir a desigualdade é criar uma política de valorização do salário mínimo”, afirma.

O economista Heron do Carmo, professor da FEA-USP (Faculdade de Economia, Administração, Contabilidade e Atuária, da Universidade de São Paulo), avalia que uma regra do salário mínimo contribui para a inércia inflacionária, o que dificulta a tarefa do BC. Ainda assim, entende-se que a indexação do piso e da Previdência é importante e “perfeitamente justificável”.

“As pessoas que ganham o salário mínimo, por hipótese, não podem sofrer nenhuma quebra de padrão”, afirma.

“A única questão que merece uma análise mais detalhada é essa regra de reajustar de acordo com o crescimento do PIB [de dois anos antes]. Talvez fosse mais razoável reajustar de acordo com o crescimento do PIB per capita, que é mais próximo da produtividade”, diz.

Segundo ele, essa regra minimizaria as pressões sobre a inflação, sem prejuízo à possibilidade de conceder reajustes extraordinários em caso de desempenho do PIB acima da média.

Além do peso no Orçamento, a indexação continua a orientar os preços da economia brasileira, embora em grau bem menor do que no período anterior ao Plano Real.

Uma das taxas dessa influência é o peso dos chamados preços monitorados, que são regulamentados de alguma forma pelo poder público. Eles representam cerca de 25% da cesta média de consumo dos brasileiros.

A lista inclui itens como tarifas de energia elétrica, água e esgoto, planos de saúde e medicamentos, cujos reajustes acompanham índices de preços e também são regulados pelo poder público diante da concentração do mercado ou para garantir o acesso da população a itens de primeira necessidade .

“É um tipo de política econômica de controlar o aumento de preços de produtos e serviços. Só que ela pega a inflação de hoje e joga no amanhã. Então, se você está num processo de desaceleração da inflação e quer que no próximo ano ela fique mais próxima da meta, isso não vai funcionar bem. Em 25% dos preços componentes do IPCA, você pega a inflação de 2023 e joga em 2024”, afirma Braz.

Diz ainda que a indexação também serve de mecanismo de proteção para alguns setores, independentemente dos custos ou da eficiência. O economista cita como exemplo as mensalidades escolares, que não são reguladas diretamente, mas têm uma trajetória descolada dos índices de inflação devido ao poder de mercado dessas instituições.

“Às vezes, a escola cobra um valor, mas os pais não têm como dizer ‘não vou pagar’ o que está no contrato. Se tirar o filho dali, vai ter que pagar mais de transporte, vai perder aquela relação social e pode ter uma redução do rendimento escolar”, afirma.

“Talvez é um mecanismo muito cômodo, mas ele cobra um preço, que é exatamente essa maior dificuldade para você ter de controlar a inflação.”

Se nenhum orçamento a indexação ajuda a preservar o poder de compra de famílias mais vulneráveis, no restante da economia o que deve prevalecer é a competição saudável, para permitir uma prática de preços mais aderentes aos custos e sem reajustes automáticos.

Heron do Carmo destaca que mesmo contratos indexados vêm sendo flexibilizados por meio da livre negociação entre as partes, em um movimento positivo para a economia e para o controle da inflação.

Um caso é o de locação de imóveis. Embora seja conhecido como “índice dos aluguéis”, o IGP-M (Índice Geral de Preços – Mercado) é estimado com base principalmente em preços de insumos no atacado, como soja, minério de ferro e petróleo, e sofre influência direta do dólar.

Na pandemia, o IGP-M passou dos 30%, o que levou muitos proprietários e inquilinos a negociarem alternativas ao indexador do contrato para não inviabilizar a permanência no imóvel.

“Muito do que foi indexado acabou. E muita coisa, apesar de ser indexado, o que prevalece é o mercado. Dependendo da situação da economia, um dos agentes pode simplesmente não querer se manter nessa condição, que é o caso do aluguel. Não é um contrato inexorável”, diz o professor da FEA-USP. “Já temos um histórico de inflação baixa. Com isso, a tendência é a indexação arrefecer.”



FOLHA DE SÃO PAULO

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