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Por que a democracia brasileira não morreu? – 22/06/2024 – Samuel Pessôa


Acaba de ser publicado pela Companhia das Letras “Por que a democracia brasileira não morreu?”de Marcus André Melo e Carlos Pereira.

Os autores apresentam a interpretação neoinstitucionalista do funcionamento do sistema político brasileiro e, em seguida, investigam dois momentos: o impedimento da presidente Dilma e os riscos de retrocesso democrático com Bolsonaro. O livro termina com uma análise do terceiro mandato de Lula.

Os autores argumentam que o presidencialismo multipartidário brasileiro tem diversas instâncias decisórias com poder de veto: Congresso muito fragmentado, fruto de voto proporcional em distritos grandes; bicameral; uma Constituição Federal muito detalhado; a Suprema Corte tem inúmeras atribuições e forte poder de revisão legislativa; três níveis da Federação, entre outros.

Para contrabalançar a dificuldade decisória, a solução foi dotar a presidência da República de numerosos instrumentos, tais como: medida provisória; grande espaço para vetos; e papel central na elaboração do orçamento e na execução da parte discricionária.

Finalmente, para que uma presidência muito forte não decaia em tirania, a Constituição Federal legou consideráveis ​​poderes para os órgãos de controle: Judiciário, Ministério PúblicoSupremo Tribunal Federal, tribunais de conta etc. Esses órgãos, conjuntamente com uma imprensa livre e vigilante, constrangem arroubos iliberais da presidência da República.

A presidência da República tem dois tipos de instrumentos para passar a sua agenda no Congresso Nacional: compartilhar poder em torno de um programa de governo; e o varejo, isto é, liberação de emendas.

No trabalho anterior, os autores mostram que presidentes que reúnem mais o governo empregam com menos intensidade o varejo. Isto é, os dois instrumentos de gestão da coalização são substitutos e não complementares.

A interpretação dos autores do impedimento de Dilma contrasta com a de Fernando Limongi, revisada aqui na coluna de 20 de maio de 2023.

Marcus André e Carlos compartilham que o quarteto comum a processos de impedimento de presidentes —povo na rua, crise econômica, escândalo de corrupção e perda de apoio no Congresso— também explica o impedimento do presidente.

Uma tentativa de silenciar um Operação Lava Jato, que de facto ocorreu, regularmentem os autores, desempenhou, no entanto, papel secundário. Nesse sentido, e divergindo frontalmente de Limongi, para os autores, o impedimento de Dilma acompanhou o livro-texto.

A explicação dos autores para a sobrevivência da democracia entre nós em tempos polarizados em duas partes. Em primeiro lugar, documentam que casos de recessão democrática são muito mais necessários do que o sugerido pelo alvo do debate público. O surpreendente seria se nossa democracia sucumbisse.

Na segunda parte, focamos no desenho institucional. Nosso sistema político altamente “consociativo”, isto é, com numerosos pontos de vetos, dificulta muito qualquer aventura autoritária. No caso específico de Bolsonaro, o STF desempenhou papel importante, descrito em detalhes, mas também o Legislativo defendeu a democracia. Bolsonaro não conseguiu aprovar nenhuma legislação que enfraquecesse o STF.

O livro termina argumentando que as dificuldades de Lula 3 devem ser menos ao enfraquecimento da presidência da República que, de fato, ocorreu nos últimos anos, e mais às dificuldades de gestão dos governos petistas.

Em função da distância ideológica entre o partido do presidente e a ideologia média do Congresso Nacional, as administrações petistas incluem pouco o governo e, portanto, empregam livremente o varejo, com todas as instabilidades que seguem essa opção de gestão.

Toda a análise do livro é extensamente calculada na literatura acadêmica da ciência política e tem um tom descritivo, e não normativo, em que pese certo otimismo dos autores sobre a funcionalidade de nosso sistema político. Leitura mais do que recomendado.


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FOLHA DE SÃO PAULO

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