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Plano Real: Inflação feita pelo consumidor agente financeiro – 23/06/2024 – Mercado


Imagine verificar o saldo da conta bancária no café da manhã e constatar que o salário mínimo de NCz$ 3.674,06 havia sido depositado. Naquele dia, o valor seria suficiente para comprar uma calculadora científica da marca Dismac, anunciada nas páginas do jornal matinal.

No café da manhã seguinte, uma nova conferência, e, embora o valor registrado continue igual, já não era possível levar uma máquina de calcular para casa, pois seu preço havia subido para mais de NCz$ 3.700. No final de um mês, antes que o brasileiro recebesse um novo salário, o aparelho já custava quase NCz$ 6.700.

Ou seja, se o cidadão não tivesse feito nem uma compra, o extrato bancário mostraria os mesmos NCz$ 3.674,06, mas seria como se o dinheiro encolhesse fosse: seu poder de compra teria caído no período para o equivalente a NCz$ 2.014, 40, uma perda de NCz$ 1.660.

Foi o que ocorreu em março de 1990, quando o IPCA atingiu a marca histórica de 82,39%. Diante dessa realidade, todo cidadão, com baixo ou alto rendimento, se tornou um agente financeiro para sobreviver ao inferno inflacionário.

Entravam no campo as mais diversas formas de defesa do dinheiro que chegava ao bolso. Afinal, o cafézinho consumido no período da manhã estaria 2% mais caro no final do jantar.

Até Paulo Guedes, ex-ministro da Economia do governo de Jair Bolsonaro, ficaria visto com as domésticas, aqueles que não precisam ir à Disneylândia para fazer festa, segundo ele. Para sobreviver, boa parte deles recai aos doleiros para a compra de dólar no câmbio paralelo, a fim de dar uma sobrevida ao seu curto capital.

Diante desse inferno inflacionário e de sucessivos planos econômicos para conter essa expansão, o país começou a ser dominado por uma parafernália de tabelas que, se não levadas em consideração à risco, deixaram o consumidor com capital ainda mais curto para chegar ao final do mês.

Na maioria das vezes, até os mais precavidos chegavam com saldo zero ou com dívidas no início do mês seguinte.

O dia a dia do consumidor nos tempos da inflação acelerada depende de tabelas e orientações de preços. A deficiência de produto e a cobrança de ágios pesados ​​obrigavam o cidadão a ficar atento aos melhores locais de compra ou às casas de varejo que demoravam mais para colocar a máquina de reajustes em ação.

Nesse cenário de necessidade de informações atualizadas, a Folha desenvolveu um sistema abrangente e diário de acompanhamento de indicadores econômicos, tabelas de preços no varejo e no campo, todos com pesquisa própria.

As publicações viraram referência para contratos desde a área de turismo e hotéis a negociações privadas e governamentais, devido à agilidade das informações.

No setor econômico e financeiro, o jornal mantém uma página de indicadores econômicos com 35 tabelas, que são de reajustes de contratos às cotações do dólar oficial e paralelo. Este último, o mais procurado.

Pela abrangência das informações, era comum a exposição da página da Folha nos bancos, a fim de dar orientações diárias aos correntistas.

Um dos pontos delicados no dia a dia do consumidor era o varejo. A correção de preços era diária e, mesmo quando tabelados, alguns produtos só eram encontrados com ágio.

Eram corriqueiras as fases de desaparecimento dos produtos dos pontos de venda, o que fazia o governo promover a caça aos bois no pasto e a busca de cervejas e de outros itens nas indústrias.

Diante do controle do governo e dos famosos “fiscais do Sarney”, uma das saídas para as indústrias foi a não correção dos preços, mas a redução do tamanho das embalagens. O rolo de papel higiênico ficou menor e os pacotes de bolacha diminuíram de peso, mas os preços aumentaram os mesmos.

A Folha, por meio do Datafolha, mantinha um acompanhamento contínuo dos preços no varejo. Semanalmente o jornal fez uma tomada de 2.218 preços em oito supermercados e cinco hipermercados de São Paulo.

A pesquisa abrangia alimentos básicos, produtos de higiene e de limpeza, e o resultado do levantamento foi publicado pelo jornal, que destacou os produtos que eram mais reajustados.

A inflação pesava muito sobre o poder de compra das famílias menores renda. Por isso, o jornal mantinha uma coluna semanal chamada “De olho na inflação”, que acompanha os preços de produtos básicos, principalmente os de arroz, feijão, açúcar, café, pão e leite.

Era preciso acompanhar também os preços no campo, uma vez que as pesquisas de governo apontavam lacunas. A ausência de um pesquisador por alguns dias comprometeu todo o levantamento.

O jornal criou a tabela diária “Cotações Folha“, que acompanhava preços de 15 produtos agropecuários em 49 entidades formadoras de preços, espalhadas pelos estados do Sul, Sudeste e Centro-Oeste.

Além de servir de base para contratos, principalmente no fornecido de carnes para as prefeituras, uma tabela foi acompanhada por consultorias que faziam previsão de inflação. Afinal, o comportamento dos preços no campo chegaria à taxa de inflação nas semanas seguintes, diminuindo ou desacelerando, dependendo do período do ano ou de quanto se produzisse.

Uma coluna “Vaivém das Mercadorias”diariamente, se baseava nas informações do campo e apontava tendências para o varejo, uma vez que a cobertura da Folha abrangia todos os segmentos de produção e de consumo de alimentos.

A alternância no comportamento dos preços e as dificuldades prejudicadas pelos consumidores e empresas com esse cenário inflacionário trouxe muitos questionamentos e propostas nada lícitas para o jornal.

Uma das muitas propostas foi a de um pedido, durante meses, de alteração dos preços da arroba de suíno.

Depois de muita sinceridade e insistência nos pedidos do leitor, ele foi informado pelo jornal que os preços não seriam alterados.

Veja a explicação do porquê do pedido: um contrato com base na Folha regia o pagamento mensal de pensão para a esposa, que recebia o equivalente a uma quantidade em de arrobas suínas, com base nos preços publicados pelo jornal. A cotação do jornal interfere no montante pago.

Os pedidos de alteração de preço mais comuns, tendo em vista a inflação galopante e os contratos de compra e venda estando ligados às cotações da Folha, vinham sempre nos finais do mês. Quem vendia queria um preço ainda mais inflacionado. Quem comprou solicitou uma redução, mesmo que apenas no último dia do mês.

Com a chegada do Plano Real, boa parte dessas tabelas foi perdendo importância, devido a uma estabilidade relativa de preços, e sendo retiradas do jornal.



FOLHA DE SÃO PAULO

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