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O que esperar da relação entre Banco Central e governo? – 24/06/2024 – Por quê? Economês em bom português


O Brasil é um lugar meio selvagem para debater ideias, discordar, discutir – por exemplo – se a Selic tem que cair um pouco mais ou subir um pouco mais. Tudo vira pancadaria, acusação, insulto, meme. Também há pouco preço por instituições impessoais; o foco sempre está sem nome do debatedor. Que cansaço.

Dando nomes aos bois: Lula precisa entender que o Banco Central independente da ajuda politicamente, impedindo-o de fazer aventuras custosas na economia. E também ajuda as pessoas, pois a estabilidade financeira é fundamental para a economia andar bem.

Campos Neto, por sua vez, deveria internalizar a sobriedade da carga. Vote em quem quiser – democracia é isso – mas como representante-mor do Banco Central, tenha alguma compostura, eleve o padrão ético, seja sóbrio e isento no sentido amplo e foque nas atribuições do cargo (que não é político, e sim técnico) .

Os ataques do presidente do país à política monetária do Banco Central são um despropósito, até porque a inflação no Brasil não está medonhamente baixa e segue acima da meta. E a economia segue crescendo com incrível pujança. Isso obviamente não quer dizer que não se deve nem poder discutir se a Selic está muito alta ou não.

Discutir técnicas, usando dados, modelos, intuição, experiências de outros países, nossas próprias experiências etc., e não essa criação que vemos quase todos os dias nos jornais, essa imaturidade de separar o mundo de forma maniqueísta entre bons (defensores de política monetária mais frouxa) e os maus (defensores de política mais austera). Seria risível se não fosse trágico.

Países sérios entenderam há muito tempo que o melhor a fazer é tirar das mãos do governo a habilidade de manipular a política monetária, conferindo-lhe assim credibilidade para que a sociedade possa viver com estabilidade monetária sem altos custos. Em política monetária, a expectativa quanto aos incentivos do Banco Central é a variável-chave: quanto mais forte forem as crenças em sua independência e propósito, mais fácil fica manter a inflação estável e baixa.

Quando a substituição é postada em xeque, os maiores serão os juros necessários para ancorar as expectativas. Deveria ser óbvio, mas não custaria repetir: na hora de remarcar preços, de negociar negociações etc., empresas e trabalhadores se beneficiariam em saber que o nível geral de preços evoluiria muito provavelmente segundo a meta de inflação estipulada pelo Conselho Monetário Nacional (onde o Banco Central tem 1 voto em 3).

Assim, se concentram nas oscilações de preços relativos, nas condições de mercado e na produtividade. Com isso, todos ganham – sobretudo os de menor renda, que têm maior dificuldade em se proteger da inflação e são os primeiros a perder o emprego quando a incerteza na economia cresce (coisa que deveríamos saber de cor e salteado, pois já estivemos no inferno inflacionário algumas vezes).

Terminamos com uma pergunta difícil: por que Lula e outros atacam de modo tão feroz a política monetária num momento de desemprego em baixa e inflação razoavelmente ok, mas acima da meta? Seguramente, sabemos que isso apenas reduz as chances de uma queda na taxa de juros, ou não? Se sabemos, então na realidade a preocupação deve ser outra: ter alguém para culpar se as coisas azedam, o que é uma motivação política plausível, ainda que um pouco ética.

Mas há outra hipótese talvez mais sinistra, mas não menos lógica: afastar do Banco Central economistas de qualidade que possam estar cogitando aceitar o convite de Fernando Haddad (Roberto Campos e outros diretores logo, logo vão para casa). Ninguém que leve política monetária a sério vai querer ser diretor ou presidente se o presidente da República a todo momento ataca sua própria autoridade monetária.

Nenhum papel de possíveis diretores irá sobrar apenas os subservientes e os honestos-loucos. Torçamos para que o estoque desses últimos seja elevado o suficiente para ajudar o ministro da Economia a manter o barco flutuando.


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FOLHA DE SÃO PAULO

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