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Argentina: Como a crise da economia respinga no Brasil – 25/06/2024 – Mercado


Em um momento de relações turbulentas entre os dois países, políticas de controle inflacionárias adotadas pelo governo do presidente argentino Javier Milei têm qualidades impactadas no Brasil.

A recessão no vizinho é uma das principais responsáveis ​​por uma queda até maio deste ano de mais de 30% nas exportações brasileiras para a Argentina, tradicionalmente o terceiro maior comprador do Brasil — posto que o país hoje ameaça perder para a Holanda.

A participação argentina nos envios brasileiros chegou a um de seus níveis mais baixos: em janeiro, foi de 2,8%, o pior patamar da série histórica; em maio, de 3,6%.

Em visita à Argentina em abril, a secretária de Comércio Exterior, Tatiana Prazeres, viu como “natural” a queda dos fluxos diante do quadro de recessão no país vizinho, mas mencionado que o tema é uma preocupação em Brasília.

Em seu relatório mais recente, o FMI (Fundo Monetário Internacional) piorou sua previsão de crescimento para a Argentina, estimando uma contração de 3,5% em 2024, e alertou para o risco de que a recessão se prolongasse. Em abril, a expectativa era de uma queda do PIB (Produto Interno Bruto) de 2,75%.

O pesquisador associado do FGV Ibre (Instituto de Economia da Fundação Getulio Vargas) Fabio Giambiagi aponta que a economia argentina vem de “crise de dados longos”, o que ocorre tanto pelas dinâmicas do governo anterior de Alberto Fernández, como pelas medidas da administração de Milei.

O choque das ações do atual governante movimenta contra a inflação disparada no país teve um forte impacto na demanda local. “A principal preocupação dos últimos anos vem deixando de ser a inflação e passando a ser o desemprego”, aponta Giambiagi.

Sócio da consultoria BMJ, Welber Barral lembra que a queda na atividade do país foi muito abrupta nos últimos meses, e afirma que o cenário de menor crescimento pode durar até os mesmos anos.

Já Giambiagi ressalta que há importantes divergências sobre as perspectivas para o país nos próximos trimestres: alguns analistas projetam uma retomada da economia em “V”, com forte avanço após o tombo atual; por outro lado, setores menos otimistas sugerem um gráfico em “L”, com persistência do nível recessivo após a queda atual.

Independente da projeção, o mau desempenho da economia argentina é sentido no Brasil.

SETOR AUTOMOTIVO É O MAIS AFETADO

Segundo Giambiagi, o impacto em alguns setores é de níveis pandêmicos. Ele destaca os sete meses seguidos que o país registrou de redução na atividade econômica, o que contribuiu para uma queda na produção industrial de 20% na comparação de março de 2024 com o mesmo mês do ano anterior.

Os números afetam especialmente o setor automotivo. Pela grande ligação com o Brasil, seja em peças utilizadas na fabricação local quanto na compra de veículos prontos, é a principal preocupação dos exportadores brasileiros com o cenário no país.

Segundo Barral, historicamente, cerca de 40% do comércio bilateral entre os vizinhos está ligado aos automóveis, especialmente pelas fábricas dos dois lados da fronteira. Dados de comércio exterior do governo brasileiro mostram que, até maio deste ano, a queda nos envios de veículos automóveis de passageiros foi de 18% na comparação com o mesmo período do ano anterior. Já as peças e acessórios de automotivos tiveram redução de 23%.

O mau desempenho foi corroborado pela Anfavea (Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores), que afirma que as exportações brasileiras têm enfrentado dificuldades diante do desaquecimento das economias vizinhas.

Barral lembra ainda que a Argentina é o principal importador brasileiro de produtos fabricados no geral, o que impacta também outras indústrias, com destaque para as ligadas ao agronegócio.

“FADADOS À INTERDEPENDÊNCIA”

Visando multiplicar os mercados a que o Brasil tem acesso, recentemente o presidente da Apex (Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos), Jorge Viana, chegou a dizer que a Argentina “deveria se cuidar” para não perder o posto de principal parceiro do país na América do Sul —embora o grau de integração já existente das economias e dos benefícios comerciais do Mercosul (bloco formado por Argentina, Brasil, Paraguai, Uruguai e Venezuela) dificultem uma eventual substituição.

Por causa do Mercosul, os produtos brasileiros são isentos de uma série de tarifas na Argentina. Além disso, Giambiagi lembra que há grande “integração entre as plantas industriais, o que não se muda da noite para o dia”.

Há ainda um importante componente geográfico, que barateia os fretes brasileiros ao vizinho e dispensa novas infraestruturas de escoamento, que seriam necessárias em caso de mudanças na orientação das exportações.

Neste contexto, Giambiagi lamenta o esfriamento das relações diplomáticas nos últimos anos, já que os dois países estão “fadados à interdependência”.

Esse esfriamento antecedeu a própria chegada de Milei e de Luiz Inácio Lula da Silva ao poder. Embora um não tenha muita excitação pelo outro —a dupla, por exemplo, não se encontrou durante viagem à Itália na semana passada para participar da cúpula do G7—, os canais entre Buenos Aires e Brasília já foram abalados pelos governos de seus antecessores, Fernández e Jair Bolsonaro.

MENOS ENTRAVES E MAIS MOEDA ESTRANGEIRA

Os especialistas convergem na visão de que o último ano foi atípico para a Argentina, e é responsável por parte dos problemas atuais. O país quebrou sua seca mais grave em 100 anos, o que teve impacto desastroso na agricultura, ganhando ainda mais a entrada de divisas estrangeiras no país. Com falta de dólares, os importadores enfrentam limitações para realizar pagamentos.

Giambiagi destaca a intensidade da crise que o país viveu nesse contexto, que inclui dificuldades com o câmbio que o Brasil não enfrenta desde os anos 80. O governo local criou uma série de divisas específicas para tentar contornar a situação, como o chamado “dólar agro “, que visava benefícios cambiais para o setor.

Barral aponta que, até o momento, ainda existem dificuldades para a execução de pagamentos que necessitam de moeda estrangeira, mas há expectativa de que o tema seja amenizado nos próximos meses com uma maior normalidade na economia local. Diante da escassez de divisas, o governo de Fernández criou uma série de licenças que atrapalharam as exportações brasileiras ao longo de 2023, mas que, segundo Barral, foram extintas nos últimos meses.



FOLHA DE SÃO PAULO

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