sábado, outubro 5, 2024
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Sub-representatividade feminina em cargas de liderança – 25/06/2024 – Lorena Hakak


Conheci Natsumi quando ela tinha 40 anos, com o livro “A Biblioteca dos Sonhos Secretos“, de Michiko Aoyama. A história, embora se passe no Japão, poderia ocorrer em diversos países, incluindo o Brasil. Natsumi trabalhou há alguns anos no editorial de uma revista e, aos 37 anos, quando engravidou, comunicou a gravidez ao seu chefe apenas no quinto mês. Não queria preocupar os colegas. Trabalhou até o final da gestação e retornou ao trabalho depois de 4 meses, apesar de ter direito a um período maior de. licença-maternidade.

Para sua surpresa, ao retornar ao trabalho, o editor-chefe se transferiu para o departamento de documentação e pesquisa, alegando ser um trabalho “mais leve”, no qual ela poderia sair “no horário”. Sem levar em conta a opinião da funcionária, ele não mudou de ideia e disse que era complicado trabalhar no editorial com uma criança pequena.

Nos primeiros anos com sua filha, Natsumi herdou todos os cuidados com a menina e a casa. O marido pouco participava das tarefas. A falta de tempo e a frustração a consumir, assim como a culpa. Embora tenha sido filha, Natsumi desejava ter de volta sua carreira como havia imaginado. Sentia vergonha de invejar seus colegas. É o que na história é chamado de carrossel. Solteiros têm inveja dos casados, que por sua vez têm inveja dos que têm filhos, os quais invejam os solteiros. Além disso, sente-se sozinha pela falta de parceria do marido e pela sua ausência devido a sua longa jornada de trabalho. Algumas vezes reclamou, mas o marido sabia que suas viagens e participação em jantares eram essenciais para sua carreira.

Poderíamos trocar o nome da personagem para Maria ou Joana e a história seria semelhante. Muitas mulheres acabam se dedicando mais aos filhos e aos cuidados da casa de seus maridos, o que pode prejudicar suas carreiras. No caso de Natsumi, a própria empresa, seguindo as normas sociais vigentes, rebaixou-a de sua carga anterior, supondo que ela não daria conta do trabalho por causa da filha pequena. Nesse contexto, será que as mulheres serão submetidas a padrões de exigência mais altos que os homens?

A nossa heroína não se dá por vencida e decide procurar um novo emprego. Um lugar que pudesse exercer a função que gostava sem ser discriminada por ter uma filha pequena. Ela encontra uma posição em outra editora.

Apesar de todo o progresso que ocorreu no mercado de trabalho e da maior participação feminina, as mulheres estão subrepresentadas em cargos de chefia ou em conselhos de empresas, tanto da iniciativa privada como pública. Sem contar na esfera política. Segundo dados do quarto trimestre de 2023 da PnadC (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua), 40% dos diretores e dirigentes de empresas são mulheres. Eles possuem, em média, 15 anos de escolaridade —um a mais que seus pares homens—, porém têm um salário médio 28% menor.

Na literatura esse fenômeno é denominado “teto de vidro”. Existe um debate sobre por que persistem diferenças de gênero no topo, tanto na participação quanto em rendimentos. Segundo a economista Marianne Bertrand, em seu artigo “Coase palestra–o teto de vidro” (2018), uma parte das diferenças pode ser explicada pela discriminação, mas existem outras explicações. A escolha dos cursos superiores pode explicar parte das disparidades. Algumas carreiras pagam, em mídia, mais que outras. Estudos demonstram que existem diferenças de atitude entre homens e mulheres em relação à competição e negociação. Além disso, há evidências de que as mulheres preferem trabalhos mais flexíveis, embora as cargas que pagam mais e excluam maior responsabilidade exigem longas jornadas de trabalho, o que representa um inconveniente maior para elas.

Uma das razões pelas quais as mulheres buscam trabalhos mais flexíveis é a necessidade de conciliar o trabalho remunerado com o trabalho de cuidados. Nesse contexto, quais políticas podem ser implementadas para reduzirmos o teto de vidro? As empresas adotam políticas mais amigáveis ​​às mulheres, oferecendo vagas com horários mais flexíveis, parte remota, opção de trabalho em tempo parcial, maior licença parental, entre outras. A adoção de políticas afirmativas que fomentem a diversidade em cargos de liderança e conselhos de empresas é essencial. Além disso, os investidores poderiam ampliar o acesso a creches em tempo integral, e o Congresso deveria considerar a extensão da licença paternidade. São metas que nós, como sociedade, devemos buscar.

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FOLHA DE SÃO PAULO

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