A Polícia Federal cumpre nesta quinta-feira (27) mandados de busca e apreensão contra ex-diretores e pessoas ligadas a Americanas, varejistas que estão no cerne de uma das maiores fraudes contábeis da história do país.
A operação Disclosure – termo em inglês para transparência de informações sobre a situação econômica de uma empresa – mira 14 pessoas, que são investigadas por crimes de manipulação de mercado, uso de informação privilegiada e associação criminosa. Em caso de condenação, as penas chegam a até 26 anos de reclusão.
Entre os alvos está o ex-CEO Miguel Gutierrez, que tem contra ele mandato de busca e prisão preventiva. Também tem ordem de prisão contra a ex-diretora Anna Saicali.
Gutierrez, que tem cidadania espanhola, e Saicali deixaram o Brasil. Eles foram incluídos na difusão vermelha da Interpol nesta manhã, após a deflagração da operação da PF.
Os outros alvos são Anna Christina Soteto, Carlos Eduardo Padilha, Fabien Picavet, Fabio Abrate, Jean Pierre Ferreira, João Guerra Duarte Neto, José Timotheo de Barros, Luiz Augusto Henriques, Marcio Cruz Meirelles, Maria Chirstina Do Nascimento, Murilo dos Santos Correa e Raoni Lapagesse Franco.
Os membros do alto escalão da Americanas entraram na mira das autoridades após investigação da PF mostrarem que como irregularidades dos ex-funcionários tinham como objetivo atingir metas financeiras internas e fomentar bonificações. Por outro lado, a ação dos investigados manipulava e aumentava de forma ilícita o valor do mercado das ações da empresa.
A investigação da PF contou com a delação premiada de dois ex-funcionários: a ex-superintendente Flávia Carneiro e o ex-diretor financeiro Marcelo Nunes.
A operação desta quinta não envolve o trio de sócios bilionários de referência da empresa, Jorge Paulo Lemann, Carlos Alberto Sicupira e Marcel Telles.
Saiba abaixo quem é quem no novo capítulo do escândalo do varejista.
Miguel Gutiérrez
Discreto, o ex-presidente da empresa era, até pouco tempo atrás, praticamente invisível. Evitava dar entrevistas à imprensa, mantinha-se distante de investidores e analistas e pouco aparentava, a ponto de uma das fotos mais nítidas do seu rosto vir de uma captura de tela de uma conferência de resultados.
Agora, um inquérito interno produzido por um comitê independente contratado pela Americanas aponta diretamente para Gutierrez como mentor do esquema que levou um varejista de 95 anos à recuperação judicial e tirou o emprego de 5.000 funcionários.
Ele entrou na Americanas em 1993 e ascendeu na posição da empresa ao longo de três décadas, ocupando cargas de operações e logística. Ele foi organizado por Carlos Alberto Sicupira, um dos três bilionários sócios de referência da Americanas, ao lado de Jorge Paulo Lemann, da Fundação Lemann, e Marcel Telles, da Ambev.
Foi em meados de 2022 que o conselho da Americanas decidiu substituir Gutierrez pelo conhecido executivo Sergio Rial. Após apenas 10 dias no cargo, Rial anunciou “inconsistências contábeis” na ordem de R$ 20 bilhões e pediu demissão. Quando o caso explodiu, ainda em janeiro de 2023, Gutierrez se mudou para a Espanha.
OUTRO LADO: a defesa informou que “não teve acesso aos autos das medidas cautelares” e que, por isso, “não tem o que comentar”.
“Miguel reitera que jamais participou ou teve conhecimento de qualquer fraude e que vem colaborando com as autoridades, prestando os esclarecimentos devidos nos para os próprios.”
Anna Saicali
Formada em artes plásticas pela Universidade Mackenzie, Anna Saicali se notabilizou por ser uma das poucas mulheres em cargos de liderança no mundo corporativo brasileiro. Ela ocupou uma das posições na diretoria estatutária aprovada pelo conselho de administração da empresa, até ser afastada do cargo após a revelação do escândalo contábil.
Saicali teria deixado o país no dia 15 deste mês rumores para Portugal, mas ainda não se sabe se a executiva soube da operação da PF com antecedência. Ela e Gutierrez são apontados pelas investigações como os principais responsáveis pelas fraudes do varejista.
Na Americanas desde 1997, diferenciamos os primórdios da operação de ecommerce da companhia e acompanhou 29 compras do grupo, como o Hortifruti Natural da Terra. Presidiu a Americanas.com e a B2W, gigante do comércio eletrônico vinda da fusão com o Submarino, além da Ame Digital, fintech que ajudou a fundar.
Cerca de vinte dias antes do escândalo estourar, Saicali transferiu bens e cotas de uma empresa com patrimônio de R$ 13 milhões para o filho. Segundo o advogado executivo, Antenor Madruga, a cessão “decorreu de planejamento sucessório motivado por questões de saúde”.
OUTRO LADO: a assessoria de Anna Saicali não se pronunciou até o momento da publicação desta reportagem.
José Timóteo de Barros
Foi diretor de lojas físicas, logística e tecnologia até renunciar à carga em maio do ano passado, após passar meses afastado pela conta do anúncio de “inconsistências contábeis”.
Ele nos hospeda Lojas Americanas em 1996 na área de operações, e, no ano seguinte, tornou-se gerente de planejamento, com a função na qual ocorreram até 1999 ao se tornar gerente de logística da Americanas.com.
Conduziu o processo de integração do Shoptime em 2005 e de fusão com o Submarino em 2006. Foi CFO da B2W Digital e da Lojas Americanas. Assumiu a diretoria de operações da B2W de 2011 até 2018, quando se tornou CEO da Let’s, plataforma de logística e distribuição das Lojas Americanas e B2W Digital.
OUTRO LADO: A defesa de José Timotheo de Barros afirmou que a operação de busca e apreensão foi realizada pela Polícia Federal em sua casa. “Desde o início das apurações, documentos, informações econômicas e dados telemáticos foram colocados à disposição para apuração do caso. De toda forma, o fato de hoje é importante para que seja concedido pela Justiça o reiterado pedido de acesso às delações premiadas”, diz nota de Antonio Sérgio Pitombo, da Moraes Pitombo Advogados.
Márcio Cruz Meirelles
Vice-presidente de consumo na Americanas até junho de 2023, se descrevia no LinkedIn como “executivo com ampla experiência em gestão, atuando por 14 anos no C-Level de empresas nacionais, no ramo de varejo físico e digital”.
Ingressou nas Lojas Americanas em 1994 na área de operações, e, em 1999, substituiu a área de controle e prevenção de perdas, onde atuou até 2002. Em 2003, liderou o projeto de criação da Americanas Express, e inaugurou a primeira loja desse modelo .
Em 2004, ele assumiu a área financeira como superintendente, cargo em que as energias eram até 2007. Naquele ano, liderou o processo de compra e integração da Blockbuster. Em 2009, ingressou na diretoria comercial e marketing.
De 2011 a 2018, atuou como diretor comercial na B2W Digital. Foi CEO da B2W até 2021.
OUTRO LADO: a defesa de Marcio Cruz Meirelles ainda não retornou o contato da Folha.
Anna Cristina Soteto
Entrou como trainee na Americanas em 1995, onde fez carreira e ocupou vários cargos na hierarquia da empresa. Foi gerente comercial até maio de 2009 e diretora comercial da B2W Digital, cargo que deixou em 2021.
No LinkedIn, se descreve como executiva sênior, dona de “uma vasta experiência comercial e marketing de varejo físico e digital em diversos segmentos”.
“Uma engenharia com foco em atender o cliente utilizando todas as ferramentas analíticas disponíveis para ter o produto certo, no preço certo, na loja certa, para aquele cliente específico”, escreve ela na rede social.
OUTRO LADO: a defesa de Anna Soteto ainda não retornou o contato da Folha.
Carlos Eduardo Padilha
Ex-diretor financeiro, foi escolhido para o cargo no final de 2017, antes da formação da B2W. Deixou o post em meados de 2021.
Em março do ano passado, ele deveria ter prestado depoimento à CVM (Comissão de Valores Mobiliários), mas não compareceu. A defesa alegou que ele tinha uma audiência na mesma data no STJ (Superior Tribunal de Justiça), em Brasília, e solicitou remarcação do depoimento.
OUTRO LADO: a defesa de Carlos Eduardo Padilha ainda não foi encontrada pela reportagem.
Fabien Picavet
Na Americanas há 16 anos, começou como estagiário até chegar a diretor de serviços financeiros (crédito, seguros e serviços), de acordo com seu LinkedIn. Também foi diretor de meios de pagamento e diretor executivo de relações com investidores.
OUTRO LADO: a defesa de Fabien Picavet ainda não retornou o contato da Folha.
Fábio Abrate
Diretor financeiro e de relações com investidores até junho do ano passado, quando também deixou o cargo de diretor da Ame Digital. Entrou na Americanas em 2003, como estagiário de finanças, e lá fez carreira.
Em agosto de 2023, ficou em silêncio durante depoimento na CPI das Americanas por não saber “exatamente do que estava sendo acusado”.
OUTRO LADO: a defesa de Fábio Abrate ainda não retornou o contato da Folha.
Jean Pierre Ferreira
Diretor de tecnologia da Americanas até abril de 2023, entrou para o time de colaboradores do varejista em 2001.
Trabalhou na B2W por mais de 14 anos, antes da operação de fazer parte do portfólio da Americanas. Hoje, é chefe da área de tecnologia da informação do grupo Carrefour, no Brasil, e faz a gestão da equipe de operação de varejo, do Sam’s Club e do e-commerce.
OUTRO LADO: a defesa de Jean Pierre Ferreira ainda não foi encontrada pela reportagem.
João Guerra Duarte Neto
Foi CEO interino até 2024 e diretor estatutário desde 2012. Ingressou nas Lojas Americanas em 1991 como analista de planejamento na área financeira.
Em 1995, foi promovido a coordenador financeiro, função na qual as economias até 1998 ao se tornar chefe de departamento da área de tecnologia.
No LinkedIn, afirma que sua motivação é “encontrar, desenvolver, liderar e capacitar pessoas para colaborar e formar equipes de alta performance que entreguem soluções que melhorem a vida dos clientes e gerem grande valor ao negócio”.
OUTRO LADO: a defesa de João Guerra Duarte Neto ainda não retornou o contato da Folha.
Murilo dos Santos Corrêa
Foi diretor de relações com investidores entre maio e agosto de 2017, até renunciar. Ele também deixou um cargo de diretor sem designação específica. Os motivos das saídas não foram informados.
OUTRO LADO: a defesa de Murilo dos Santos Corrêa ainda não foi encontrada pela reportagem.
Luiz Augusto Saraiva Henriques
Diretor de relações com investidores eleitos em 2017, após a renúncia de Murilo dos Santos Corrêa. Deixou a empresa no ano seguinte, e, hoje, é CFO da Shape, empresa de produtos e serviços digitais.
OUTRO LADO: a defesa de Luiz Augusto Saraiva Henriques ainda não retornou o contato da Folha.
Maria Cristina Ferreira do Nascimento
Na Americanas há 38 anos, foi diretora e membro do conselho de administração. Conta em seu LinkedIn que iniciou a carreira como nutricionista em uma das lojas da rede, e, em pouco tempo, a “curiosidade e a inquietação” a levaram para a área de compras.
“Desbravadora de novos mundos, fiz MBA em marketing pela PUC-Rio e gestão em Harvard”, escreve.
OUTRO LADO: a defesa de Maria Christina Ferreira do Nascimento ainda não retornou o contato da Folha.
Raoni Lapagesse Franco
Trabalhou por 14 anos na B2W, onde foi diretor de marketplace e, depois, chefe de relações com investidores entre dezembro de 2017 e junho de 2022.
No LinkedIn, faz publicações sobre eventos que participam, como o Brasil no Vale do Silício, nos Estados Unidos, e BTG CEO Conference.
OUTRO LADO: a defesa de Raoni Lapagesse Franco ainda não retornou o contato da Folha.
EXECUTIVOS QUE FIZERAM DELAÇÃO PREMIADA
Flávia Carneiro
Na Americanas desde 2007, foi superintendente da empresa e colaborou para as investigações da PF com delação premiada. Ela afirmou que, logo no início, encontraram inconsistências contábeis.
Ao reportá-los e receber respostas inconclusivas, disse ela, percebeu que se tratava de um modus operandi da direção da empresa.
De acordo com seu depoimento, o orçamento era, na verdade, uma meta a ser atingida, sem reflexo na realidade e baseada no ano anterior, que também não era real. Segundo ela, isso criou uma “bola de neve” que foi aumentando o tamanho da fraude.
Marcelo Nunes
Ex-diretor financeiro, também fez acordo de delação premiada com a PF. Ele e Flávia Carneiro colaboraram com documentos e provas com quebra de sigilo. Uma delas mostrava que existiam duas planilhas diferentes: uma com a situação real da empresa e outra com o que era apresentado ao mercado.