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Americanas: advogado que investiga caso fala de fraudes – 29/06/2024 – Mercado


O advogado Celso Vilardi, tinha experiência em atuar na defesa de alvos de grandes operações da Polícia Federalamanheceu na quinta-feira (27) em uma situação diferente.

Com um Divulgação na rua, para cumprir buscas contra 14 ex-executivos e prender outros dois das Lojas AmericanasVilardi viu do outro lado do balcão no caso de rombo de mais de R$ 25 bilhões na companhia cujos maiores acionistas são os bilionários Jorge Paulo LemannCarlos Alberto Sicupira e Marcel Telles —nenhum deles alvo ou investigado na operação.

Agora como advogado do Conselho de Administração e da própria empresa, o criminalista aguardava os desdobramentos do caso para confirmar se o investigador da PF seguiria o mesmo caminho de sua apuração interna, primeiro a colocar o ex-CEO Miguel Gutierrez e outros ex-funcionários como responsáveis ​​pela fraude.

Para ele, a investigação policial e do Ministério Público Federal demonstraram algo do que já estava comprovado: “Não existia nenhum tipo de inconsistência contábil propriamente dita. O que existia era uma fraude de grandes proporções”.

Em entrevista à Folha na sexta (28), poucos minutos após a notícia sobre a prisão de Gutierrez em Madri, Vilardi defendeu a operação e as aprovações dessa fase da investigação, eximia o Conselho de Administração e acionistas de responsabilidade no caso e classificou a fraude como sofisticada e previu que ela entrará para a história. O ex-CEO já foi solto pela polícia espanholamas teve de entregar o passaporte e precisará ser apresentado às autoridades a cada 15 dias.

O senhor foi contratado para a investigação interna em Americanas. Como foi isso e qual a relação com a operação da PF?
Sou advogado do Conselho de Administração e da própria companhia, eu represento a Americanas SA Desde o início da crise, além do comitê independente, nós também estamos conduzindo essa investigação interna. Temos colaborado com as autoridades desde o primeiro momento. E, vou dizer, foi uma investigação primorosa da PF e do MPF.

O que o sr. encontrou quando começou a pesquisar? O material da PF mostra que a fraude vem há anos, envolvendo vários escalonamentos.
O que aconteceu foi revelado pelas autoridades públicas é um pouco da confirmação do relatório que eu e o Luis Antonio [Sampaio Campos, do escritório Barbosa Müssnich Aragão, que também atua no caso] feito para a CPI [da Americanas] em junho do ano passado, quando já estávamos certos de que não existia nenhum tipo de inconsistência contábil propriamente dita.

O que existia era uma fraude de grandes proporções. Acho que essa fraude vai entrar para a história do Brasil e talvez do mundo, porque é uma fraude sofisticada, uma fraude de caixa e que, incrivelmente, conto com a participação de várias pessoas da Americanas, desde a cúpula central até, efetivamente, pessoas ali de segundo e até mesmo do terceiro escalonamento. É realmente inédita, uma fraude que se procrastina no tempo e com tantas pessoas envolvidas.

Uma das delatores disse que a fraude vem ao menos desde 2007…
Eu não consigo, para ser muito sincero, verificar que essa fraude teve início em 2007, mas há pelo menos uns 10, 12, 13 anos a gente consegue verificar que ela era perpetrada.

E como foi possível uma fraude desse porte, com tantos envolvidos, durar tanto tempo?
Não foi descoberta pelo conselho, pelas agências de rating, pelos analistas internacionais que recomendaram a aplicação nas ações da companhia como AAA, pelas auditorias e não foi descoberta pelos próprios bancos, que também eram partes envolvidas. E isso deve, especificamente, essa fraude de caixa. Quando você pega as projeções financeiras, elas são coerentes com uma companhia que parecia bem administrada, absolutamente rentável, e, quando você olhou o resultado, o dinheiro estava na caixa. O ponto é que o empréstimo [risco sacado] e o VPC [verba de propaganda cooperada] eram escondidos.

Como eles escondiam esses dois elementos, e eles cuidadosamente cozinhavam cedo as linhas do balanço das demonstrações financeiras, tudo virava muito coerente. Não se esqueça, não tem ninguém mais esperto do que os analistas de banco. Tanto que, na verdade, sempre tem briga com empresa porque os bancos fazem uma crítica. Ninguém via isso porque quando você escondi esses dois elementos, você tinha uma demonstração financeira absolutamente justa cuidadosamente preparada e você tinha um resultado real que estava no caixa. Então na verdade é por isso que ela se perpetuou por muito tempo.

Mas eram muitas pessoas envolvidas, segundo a PF.
A participação de tantas pessoas sem que tenham recebido uma denúncia interna. A companhia tinha um canal de denúncias, que foi sendo aperfeiçoado por conta desse negócio de novo mercado. Era um dos mais modernos do mundo. Tive o cuidado de verificar, porque é inacreditável que não tenha ocorrido uma pessoa que [não] traísse, mas não houve só denúncia. E surpreende o número de pessoas que compareceram disso.

A sua apuração indicou Miguel Gutierrez, preso hoje [sexta-feira]como quem comandou a fraude?
Eu sou advogado e tenho um respeito todo especial pela presunção de inocência, o processo penal serve para que as pessoas possam se defender. Mas todos os elementos que apontamos para uma participação da diretoria e, portanto, dele próprio, que comandava a diretoria. Efetivamente parece que pelo menos os membros principais da diretoria participavam disso com o auxílio de outras pessoas que nem da diretoria eram.

Em carta enviada à CPI, Gutierrez disse que conselhos e acionistas tinham conhecimento de tudo e eram muito próximos da área financeira. Isso não é confirmado na investigação do sr.?
Primeiro, como advogado do conselho, ao ser contratado eu pedi independência total e se a empresa colaborasse com as autoridades seria independentemente de quem estivesse envolvido. Não encontrei nenhum elemento que gerasse um único apelo à participação do conselho. Ao contrário, encontramos diversos documentos em que existia uma preparação para enganar o conselho. Discussões sobre como mandar informações para não chamar a atenção do conselho.

Essas questões do Miguel Gutierrez, na verdade, é tudo uma cantilena muito mal explicada, porque ele diz: Eu não sabia de fraude e tudo o que eu sabia, o conselho sabia. Se ele não sabia, como está dizendo que o conselho sabia? O fato é que apuramos os fatos e chegamos à conclusão que agora a PF chegou.

Ele [Gutierrez] tinha conhecimento. Isso tá posto, tá posto que o conselho foi enganado e também tá posto que o mercado foi enganado. Assim como as agências de rating, os bancos e assim sucessivamente.

Foram 14 alvos da PF na operação Disclosure, a investigação do sr. acordos mais envolvidos?
Eu não tenho dúvidas de que há um número maior de pessoas. Posso verificar aqui que uma pessoa de terceiro escalonamento, por exemplo, teve uma participação em algum fato criminoso. Se ela tinha consciência disso, se ela obedecesse a uma ordem, isso é um trabalho que a polícia vai ter que fazer. Mas eu não tenho dúvidas de que o número é maior.

Ó Sr. atuou muito na Lava Jato, quando os casos de corrupção geraram o debate sobre compliance. Na Americanas, onde estava o compliance?
A Americanas tinha uma governança até onde eu consegui verificar muito elogiada, testada e parecia ser muito boa. Mas não há governança, não há compliance que resista a uma fraude quando a cúpula da empresa, parte do segundo escalonamento e até do terceiro resolve fraudar. Você tem aqui uma questão de falência geral em função de uma fraude organizada, com a participação de diversas pessoas de múltiplas áreas. Não estamos falando de uma fraude localizada na presidência ou de uma forma de localização na diretoria financeira. Não há governança que resista quando a cúpula da empresa decide efetivamente fraudar.

O sr. acredita então que a operação dessa semana reflete o que você descobriu?
A Polícia Federal foi muito cuidadosa, o Ministério Público também. Algo que precisa ser destacado. Geralmente, a delação é apontada como a parte central do caso. Nesse trabalho feito pelo delegado, pelo MPF, verifica-se que a delação é uma coadjuvante. A estrela é a prova documental. Seja como for, esse caso traz na verdade um papel de que a delação, como se diz no Supremo Tribunal Federal, ela é um início de prova e é dessa forma que ela foi utilizada, essa é a beleza do caso.


RAIO-X | Celso Vilardi

Formado em Direito e mestre em Direito Processual Penal (PUC-SP), Vilardi publicou diversos artigos e o livro “Aspectos Atuais do Direito do Mercado Financeiro e de Capitais”. Na Lava Jato, defendeu Camargo Corrêa, Andrade Gutierrez, entre outras. Integra o Chambers and Partners: América Latina.



FOLHA DE SÃO PAULO

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