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Melnick: RS tem que ser tratado como o Brasil foi na Covid – 28/06/2024 – Mercado


Para o diretor-presidente da incorporadora gaúcha Melnick, apesar da situação catastrófica no Rio Grande do Sul com as enchentes, a complexidade na reconstrução do estado é menor, se comparada a desastres climáticos causados ​​por furacão ou terremoto.

Em entrevista à FolhaLeandro Melnick cobrou medidas concretas do governo federal, e estima que, se houver um plano de objetivo de ajuda nos próximos 60 dias, será possível melhorar razoavelmente a situação da região em cerca de seis meses.

“O ponto um pouco mais objetivo da parte de obras, que está conectado com a nossa empresa, é que não parece tão complexo”, diz. “Isso me traz esperança. E em ações importantes, eu acho que o governo federal tem ferramentas, como na distribuição de auxílio, as famosas bolsas, e nas isenções fiscais”, completa.

Para o executivo, a tragédia do sul pode mudar as estratégias de negócios de Melnick. Voltada prioritariamente para moradia de média e alta renda, a empresa pode se reposicionar no mercado em outros segmentos, como o do Minha Casa, Minha Vida. Confira outros trechos da entrevista.

O senhor é do setor de construção civil e atua no Rio Grande do Sul, então, tem propriedade para falar da perspectiva de construção. O que deve ser das cidades do sul daqui para frente?

Estamos em um momento de grande incerteza. Normalmente esses movimentos, como os que aconteceram no Rio Grande do Sul e que ocorrem em outros lugares do mundo, são um momento de ruptura. Essa disruptura pode ser negativa ou positiva.

O Rio Grande do Sul foi atingido de uma forma muito violenta e a gente vai depender muito da condição prática da implementação de algumas contribuições, principalmente do governo federal. São obras que necessitam de um orçamento significativo. Como a gente sabe, o estado do Rio Grande do Sul vinha se recuperando de um problema fiscal muito sério.

Então, como o país vai se mobilizar por meio de ações do governo federal, sendo imposto fiscal, sendo apoios por um plano de reconstrução do Rio Grande do Sul, isso, na minha opinião, é que vai responder sua pergunta. Então, tem uma resposta desconhecida.

Na sua visão, o governo federal é o maior responsável por essa reconstrução?

Nós vivemos em um país que há cem anos tem ineficiências históricas, estruturalistas, e temos que —em vez de gastar nossa energia numa caça às bruxas que não vão levar a nada— usar nossa energia para efetivar as medidas que liberam o orçamento necessário para essas obras. Até porque elas são caras, mas não são inviáveis.

Percebemos uma mobilização muito grande da sociedade, do setor privado, dos governos federal e estadual e até de outros países. Acho que o esforço é conseguir transformar essa vontade de contribuir em algo concreto. Eu vejo hoje um ambiente favorável para essa contribuição de fato acontecer.

O ponto um pouco mais objetivo no que se refere às obras, que se conectam com a nossa empresa, é que não parece tão complexo. Se fosse, por exemplo, uma catástrofe como um terremoto ou um furacão, seria muito mais complexa. Isso me traz esperança.

E em ações muito importantes, acho que o governo federal tem ferramentas, como na distribuição de ajuda, nas famosas bolsas e nas isenções fiscais. O estado precisa ser tratado como o Brasil foi tratado na época da Covid, como estado de emergência.

Acho possível estimar o tempo de recuo?

Acho possível. Tenho que dividir em etapas. Nós temos a perseguição das casas atingidas. Nesse ponto, o governo federal tem total condição de ajuda com auxílio de moradia. Porque não foi um terremoto, então, abaixo do nível da água, as casas estão lá. O problema é que ninguém se sente bem morando em lugar inseguro. Então, acho que o que a gente precisa é de um plano de remoção das pessoas que habitam regiões de risco. Mas como as condições de construção são casas e prédios, não é complexo de ser feito.

Acho que, com um plano aprovado nos próximos meses para financiar esse tipo de situação, em um tempo médio se tem uma recuperação. As obras de mitigação de novos eventos climáticos também não são complexas. São diques, casas de bombas, não são obras de alta complexidade.

Mas é fundamental liberar verba de forma emergencial, que é um dinheiro que o país tem. A gente vê que qualquer ajuste salarial de alguma classe é de R$ 10 bilhões, R$ 20 bilhões [de gasto para os cofres públicos]. E não estamos falando aqui de R$ 1 trilhão, estamos falando de obras de R$ 20 bilhões, R$ 40 bilhões para garantir uma situação fundamental ao ser humano, que é a confiança de que ele não vive em um lugar de risco.

E o que seria esse tempo médio de reconstrução?

A gente precisa ter um projeto aprovado entre 30 a 60 dias de injeção de capital na economia através da autorização fiscal, de entrega das obras que foram atingidas e da estrutura de resguardo a novas enchentes. E a sociedade precisa entender que o estado não vai quebrar. Não pode deixar uma estrutura parar, ela não pode entrar em colapso.

Por isso, acredito que é emergencial ter a promoção de coisas absolutamente concretas que trazem uma esperança para que eu possa te dizer, numa próxima entrevista, que acho que em seis meses vai estar bom.

O senhor acha que a tragédia não pode afetar o balanço de Melnick nos próximos trimestres?

Sim. Danos objetivos a gente praticamente não teve, exatamente porque a gente atua mais na média e alta renda, em áreas menos alagadas. Tivemos duas obras levemente atingidas que estavam na fase de estrutura.

Em relação ao balanço, no viés econômico, não se tem um problema estrutural maior no estado, o impacto é pequeno. Porque a gente tem um produto que não é perceptível. Se a gente fica um mês sem vender imóvel de média e alta renda, esse produto vai ser vendido nos meses seguintes, porque a população precisa continuar procurando apartamento. Então, economicamente, numa visão de temporalidade um pouco mais extensa, de dois anos, o impacto é quase irrelevante.

No trimestre, é diferente. Tem duas coisas que impactam no setor: uma é a parte comercial, porque a gente teve quase que uma paralisação das vendas por 40 dias; e a outra é o lucro contábil, que depende das obras. A gente libera o lucro com o andamento das obras. Então, teremos, certamente, um impacto em cerca de 90 dias.

A calamidade pode mudar algo na estratégia da empresa?

Pode ter um impacto, sim. Mas tenho que te explicar um pouquinho da estratégia da empresa. A Melnick abriu capital mais ou menos há três anos. Logo naquele momento, dentro da pandemia, os juros estavam em 3% e parecia que ia ter juros baixos por bastante tempo.

Quando houve uma abertura de capital, os juros subiram muito rapidamente. Veio uma reversão macroeconômica violenta. Como eu já estou nesse mundo de empresa aberto há um tempo no conselho da Even, com experiência desde 2008, eu falei que o mundo mudou, e que não iríamos implementar o plano de crescimento da empresa, porque o ambiente era outro.

Isso fez, como consequência, com que a Melnick estivesse hoje com 100% do valor capitalizado no IPO [oferta pública inicial, na sigla em inglês] dentro da caixa da empresa. Resolvemos não expandir nesses últimos três anos devido às incertezas: juros altos, todas as guerras e a questão política extremada no ambiente nacional. Por isso a Melnick enfrenta hoje uma crise numa situação econômica privilegiada, extremamente capitalizada, sem dívida nenhuma e com espaço para crescer.

Agora, estamos buscando alternativas de crescimento. E essa alternativa é prioritária no Rio Grande do Sul, com um olhar um pouco mais distante nos outros estados da região —Santa Catarina e Paraná— e em outros produtos do mercado imobiliário.Com o impacto das enchentes, estamos analisando como as coisas vão se acomodar para ver onde vamos nos posicionar.

Então, a expansão seria não só de estado, mas de segmento?

A gente já vem visitando devagarinho no programa Minha Casa, Minha Vida há alguns anos. O nosso plano é atuar no volume, e talvez o volume para esse segmento se intensifique. Vamos fazer uma análise de onde colocar nossa atuação dentro do novo cenário no sul.

Hoje, qual a principal área de atuação de Melnick?

Hoje é residencial, média e alta renda, em Porto Alegre. A gente tem uma outra divisão que é uma urbanizadora, que já foi para dez cidades. Temos uma atuação menor no segmento econômico e agora estamos tendo uma grande reflexão sobre uma expansão.

E dentro da média e alta renda, qual o principal perfil do consumidor?

Como a gente tem uma característica de ser uma empresa muito horizontal, ou seja, muito grande mas em uma geografia pequena, temos quase todos os perfis de público. Temos uma linha chamada GO, que é para o jovem, o primeiro imóvel do jovem de média e alta renda.

A origem da empresa é um altíssimo padrão, que são apartamentos de 500 m², 800 m². Nós atuamos também no segmento de renda média, com apartamentos de R$ 700 mil a R$ 1,5 milhão. É uma atuação muito ampla.


RAIO-X

Leandro Melnick, 47

Graduado em engenharia civil pela UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul) com pós-graduação em gestão empresarial na Fundação Getúlio Vargas. Iniciou sua atuação na Melnick em 1996. Entre 2010 e 2019, foi diretor-presidente da companhia, retornando ao comando recentemente



FOLHA DE SÃO PAULO

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