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Mensagens mostram pressão da Americanas para bancos mudarem informações prestadas a auditorias – 29/06/2024 – Mercado


Os executivos da Lojas Americanas procuraram cooptar funcionários dos bancos Itaú e Santander para adulterar documentos envie para auditorias externas que analisaram as contas da varejista, apontam mensagens coletadas pela Polícia Federal.

O material é um dos elementos da atuação da diretoria da empresa na fraude contábil que surgiu no rombo de R$ 25,2 bilhões utilizados pela PF para deflagrar a Divulgação da operação na quinta-feira (27).

Mensagens da diretoria mostram a pressão feita para que funcionários das duas instituições deixessem de fora o termo “risco sacado” das cartas enviadas para auditorias externas, desconhecidas no jargão técnico como cartas de circularização.

O risco sacado é uma operação entre varejistas e bancos, que emprestam dinheiro para que as empresas paguem os fornecedores. Para o varejista, o benefício é uma melhor condição de pagamento, como prazo maior. Em troca, paga juros, de onde vem o lucro das instituições financeiras. O fornecedor recebe o valor previsto no contrato com o varejista.

Americanas utilizou o recurso para ter fluxo de caixa condizente com o que afirmava ter em seus balanços fraudados. O problema é que eles não incluíram a dívida de risco sacado no balanço, aumentando o tamanho da fraude.

O Itaú negou qualquer participação direta ou indireta na fraude da Americanas. “O banco sempre prestou às auditorias e aos reguladores informações corretas e completas sobre as operações contratadas pela empresa”, disse, em nota, a instituição financeira.

“Os relatórios enviaram às auditorias sempre alertavam para a existência das operações de risco sacado. Os diretores da Americanas envolvidos na operação interagiram com o representante do Itaú no sentido de retirar os alertas. O banco nunca traduziu com esse pedido e inclusive limitou, por mais de 6 meses, as operações de risco sacado”, prossegue a nota.

O Santander repudiou “qualquer insinuação bastante à lisura de sua relação com as Americanas” e afirmou que o banco também é vítima de fraude.

“A instituição sempre informou integralmente os saldos das operações das Americanas no Sistema Central de Risco do Banco Central, que constitui uma entre as possíveis fontes de auditagem, além das cartas de circularização”, acrescentou.

As cartas enviadas pelo Itaú e pelo Santander para os auditórios foram discutidas antes com a Americanas, que tentava encontrar formas de tirar o termo “risco sacado” do documento. Como a operação não constava no balanço oficial da empresa, a sua menção poderia levar as auditorias a descobrirem a fraude.

Em mensagens discutindo o balanço de 2016, o ex-diretor financeiro da Americanas, Fabio Abrate, disse que tinha chegada a uma solução com o Santander.

Dias depois, Abrate diz que “o assunto azedou” e afirma que o Itaú não vai se comunicar diretamente com o auditor e que enviará a carta no formato pedido pela companhia para um funcionário da Americanas. No corpo do e-mail viriam as consequências de mudanças. “O corpo do e-mail não nos ajuda”, resume.

“Agora é a hora! Vamos com tudo. Itaú não é Santander. Assunto azedou muito. Podemos ter efeitos colaterais”, conclui Abrate. A partir daí, o ex-diretor relata como está fazendo para convencer o Itaú a enviar a carta nos moldes desejados pela Americanas.

Em outro e-mail recebido pela PF, a Abrate relata que funcionários do Itaú receberam sugestões de texto para alteração das cartas de circularização enviadas às auditorias.

Sobre o episódio, o MPF (Ministério Público Federal) disse que os bancos, contrariando o desejado pelos executivos, “informaram às auditorias a existências das dívidas decorrentes das operações de risco sacado”.

“A partir de então, foi realizada uma operação para obter outros documentos das instituições bancárias, de forma a iludir os auditores”, aponta o texto

Na quinta-feira, (27), um Polícia Federal cumpriu mandatos de busca e apreensão contra ex-diretores e pessoas ligadas a Americanas. Além disso, a Justiça Federal determinou o sequestro de bens e valores de ex-diretores que somam mais de R$ 500 milhões.

Não houve nenhuma ação relacionada aos bancos nessa operação.

Os mandatos de prisão são direcionados ao ex-CEO Miguel Gutierrez, preso nesta sexta-feira (28) em Madrie a ex-diretora Anna Saicali, que deixou o país no último dia 15 e é procurada.

A defesa de Miguel Gutierrez disse que não teve acesso aos autos das medidas cautelares e por isso não comentou o assunto. “Miguel reitera que nunca participou ou teve conhecimento de qualquer fraude e que vem colaborando com as autoridades, prestando os esclarecimentos devidos nos foros próprios”, acrescentou.


ENTENDA COMO OS DADOS CONTÁBEIS DAS AMERICANAS ERAM FRAUDADOS

  1. Registro de cartas de VPCs (Verba de Propaganda Cooperada) fictícias

As Verbas de Propaganda Cooperada (VPC) são uma ferramenta legítima utilizada no setor de varejo. Envolve a concessão de créditos por parte dos fornecedores aos revendedores por motivos comerciais variados. Por exemplo, as cartas de VPC são pagas para que a empresa inclua produtos em materiais promocionais de lojas ou sites.

As VPCs são como um crédito para o comerciante e, como explica a PF em seu relatório, podem ser utilizadas para abater dívidas com o fornecedor em questão, culminando em uma melhoria nos resultados financeiros da empresa.

Uma das delações do caso Americanas resume como se deu uma fraude envolvendo VPC. “Criavam-se lançamentos contábeis fraudulentos, referentes a VPC inexistentes. O registro contábil era feito sem qualquer documentação de suporte. Documentos falsos para amparar esses lançamentos contábeis constituídos, quando e se necessário, apenas para atender eventual demanda de comprovantes por auditorias externas” , afirmou em depoimento.

Na prática, relatou a delatora Flavia Carneiro, o resultado contábil era apresentado com o total de cartas de VPC “A” (reais), mas, para melhorar os números, eram criadas de forma fraudulenta novas cartas contabilizadas como “arrecadação complementar” — segundo a PF, um eufemismo para a fraude, fazendo com que os resultados atingissem os números esperados pelo mercado.

O relator Marcelo Nunes relatou ao pesquisador que chegou a fraudar e-mails de empresas fornecedoras para criar os documentos necessários para validar as cartas de VPC.

Segundo relatório sobre as investigações, quem fez as alterações nas cartas de VPC era o suporte comercial, um funcionário do time de Nunes. “Essa prática de alteração das cartas de VPC consiste em pegar uma carta de VPC verdadeira e, com base nessa verdade, eram modificadas as datas e os valores, mantendo os dados cadastrais.”

2. Fraude mediante risco sacado

Também comum no varejo, a operação de Risco Sacado é uma estratégia financeira que envolve a participação de instituições bancárias na liquidação das obrigações do varejista para com seus fornecedores.

“Este arranjo permite que o prazo para desembolso de recursos financeiros pela varejista seja postergado, otimizando assim sua gestão de caixa. À medida que se aproxima a data de vencimento de uma determinada obrigação financeira documentada por nota fiscal, a varejista estabelece negociações com um banco para que este efetue o pagamento diretamente ao fornecedor”, afirma a PF.

Na prática, o banco paga a dívida com os fornecedores e depois a empresa, ao final do contrato, paga essa dívida com o banco.

No caso das Americanas, segundo o depoimento de delatores e provas coletadas, os valores ou parte dos valores de operações de Risco Sacado não foram informados ao comitê financeiro e assim não constavam no balanço.

Eles também não constavam nas cartas de circularização que os bancos com os quais a empresa tinha dívida enviada para os auditórios.

“As cartas de circularização são documentos por meio do qual a equipe de auditoria faz contato com terceiros, que são fontes de informações externas à entidade, para que confirmem a ocorrência de fatos contábeis ou seus respectivos saldos registrados”, diz a PF.

E-mails e mensagens registradas pelos investigadores mostram que a direção do banco chegou a cooptar funcionários dos bancos para que eles alterassem as cartas de circularização, evitando que a fraude fosse descoberta pelas auditorias.

3. Outras fraudes (fraudes que melhoraram o resultado e fraudes sem impacto contábil)

A PF cita outros dois tipos de soluções financeiras que não foram “discriminadas nas projeções financeiras e não informadas nas cartas de circularização dos bancos para as auditorias externas.”

“Cartão de crédito”

Parecida com o risco sacado, a operação prévia um acordo com bancos que pagavam aos fornecedores os valores integrados das notas fiscais, e, em aproximadamente 30 dias, o varejista pagava à instituição financeira o valor despendido, acrescido do custo financeiro das operações.

“Essa operação de cartão de crédito gerava essa dívida de curto prazo com o banco que não era divulgado e que, na prática, funcionava quase igual ao Risco Sacado. A diferença é que a operação de cartão de crédito era de curtíssimo prazo (aproximadamente 30 dias) e a operação Risco Sacado tinha prazo maior”, disse em depoimento o delatador Marcelo Nunes.

“Antecipação de VPC”

Segundo o relator Marcelo Nunes, esse modelo de operação surgiu em 2022 e, basicamente, consiste na antecipação de VPC, “considerando também o VPC que sequer existiria”.

“Na prática é uma relação de cartas para o banco, e o banco antecipava essa relação de créditos para a empresa, com a contrapartida de que a empresa fizesse uma aplicação em torno de 70% a 100% daquele valor antecipado”, disse o denunciante.



FOLHA DE SÃO PAULO

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