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Dólar: Economistas descartaram intervenção pontual do BC – 30/06/2024 – Mercado


Economistas consultados pela Folha desaconselham uma intervenção pontual do Banco Central não Trocar para conter o dólar, que vive disparada e fechou na sexta-feira (28) cotado a R$ 5,59maior valor nominal desde janeiro de 2022.

A forte alta da moeda americana ocorre em meio às preocupações sobre o cenário fiscal no Brasil e os ruídos entre o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e o comando da instituição. No ano, a moeda americana registra alta de mais de 15% ante o real, sendo 6,48% só em junho.

Apesar disso, a autarquia não deveria fazer qualquer tipo de intervenção extraordinária no mercado, de acordo com a maioria dos economistas consultados. Para eles, a alta do dólar está mais relacionada à confiança na política fiscal do país. “Não acho que a bola esteja com o BC”, diz Zeina Latif, sócia-diretora da Gibraltar Consulting.

“Ainda que tenha o fator externo levado à valorização do dólar no mundo, aqui o movimento tem sido mais intenso, estando associado às incertezas em relação à política econômica”, afirma.

No regime de taxa de câmbio flutuante, em tese, a instituição intervém somente para garantir o funcionamento adequado desse mercado, com ações voltadas a conter movimentos desordenados, evitar restrições de liquidez e assegurar o fornecimento de mecanismos de proteção.

Em entrevista coletiva na quarta-feira (26)o presidente do BC, Roberto Campos Netodisse que a autoridade monetária opera sob o princípio de separação, vencendo via política monetária e medidas macroprudenciais, mas deixando o câmbio livre.

Ele afirmou, ainda, que a desvalorização do real está em linha com algumas outras variáveis ​​que também simbolizam o aumento do risco Brasil. “O objetivo do Banco Central é que o câmbio flutuante sirva como um fator que absorva os choques”, afirmou Campos Neto.

Na sexta-feira, o diretor de Política Monetária do BC, Gabriel Galípolo, disse estar atento ao nível do dólar, mas não indicou intervenção, e reforçou que a instituição não trabalha com uma meta de câmbio.

“A gente vai estar sempre olhando se há algum tipo de descolamento muito fora daquilo que está acontecendo com os nossos pares e o restante do mercado global, se existem algumas janelas ou questão de disfuncionalidade na curva ou na própria liquidez”, disse.

Em 2023, o BC não realizou leilões extras de dólar — o que caracterizou a menor intervenção da autoridade monetária desde a adoção do regime de câmbio flutuante no país, em 1999. Neste ano, em abril, o Banco Central vendeu 20 mil contratos de swap cambial oferecidos em leilão adicional — o equivalente a US$ 1 bilhão.

“Se o BC tentar estender o dólar seria um movimento, a meu ver, errado, porque juros e taxas de câmbio estão refletindo um cenário de maior risco fiscal”, afirma o ex-secretário do Tesouro Nacional Mansueto Almeida.

Veja, a seguir, a opinião dos analistas consultados.

Henrique Meirelles

Ex-ministro da Fazenda e ex-presidente do Banco Central

Penso que o Banco Central está certo em não intervir no câmbio. Não estamos em crise econômica. O mercado está precificando com base nas expectativas e riscos percebidos. A intervenção neste momento seria um uso inadequado das reservas.


Arminio Fraga

Ex-presidente do Banco Central do Brasil (1999 a 2002) e sócio-fundador da gestora Gávea Investimentos

Não. Intervenções tendem a ser ineficazes se a origem do problema não for atacada. No caso, falta de clareza na responsabilidade fiscal. E mais, numa situação mais simples, deverá ocorrer em conjunto com algum aperto de juros. Exceção feita a um caso de iliquidez extrema no mercado, o que não acontece agora.

Alexandre Schwartsman

Ex-diretor de Assuntos Internacionais do BC de 2003 a 2006 e consultor da AC Pastore

O Banco Central pode intervir? Até pode, só não vai ter muito efeito. Ele vai oferecer, as pessoas vão tomar esse dinheiro e vão pedir mais. Então, como política, seria um tiro no pé não tentar vender dólar a essa altura do campeonato. O único caso em que a gente teve intervenção sistemática, tentando estender o dólar, foi no caso do [presidente do BC de 2011 a 2016, Alexandre] Tombini. E, vamos falar a verdade, não foi um negócio que funcionou muito bem. Gerou um prejuízo gigantesco para o Banco Central e não garantiu o dólar, porque não estavam sendo trabalhados os problemas de fundamento.

Manuel Almeida

Economista-chefe do BTG Pactual e ex-secretário do Tesouro Nacional

Nem sempre é fácil afirmar que o BC deve ou não intervir no mercado cambial. No caso do Brasil, uma parte específica da desvalorização do real no ano, em especial nos últimos 30 dias, reflete muito mais uma percepção crescente de que o governo não vai cortar despesas e, assim, vai mudar o teto de 2,5% para o crescimento do gasto público federal. Se ouvimos da ala política do governo alguma sinalização, seguida de medidas que mostram o compromisso do governo com o respeito ao teto, talvez tivéssemos um forte recuo do dólar. Mas como todo esse ambiente de incerteza fiscal que está se materializando, se o BC tentar segurar o dólar seria um movimento a meu ver errado, porque juros e taxas de câmbio estão refletindo um cenário de maior risco fiscal.

José Roberto Mendonça de Barros

Ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda e consultor da MB Associados

Eu não recomendo uma intervenção do BC. Não entendo, estamos vivendo uma ultrapassagem [desvalorização elevada da moeda no curto prazo], porque o dólar a R$ 5,60, R$ 5,50 não dialoga com o fundamento da área externa brasileira. O saldo comercial, em nossa projeção, vai para US$ 85 bilhões, US$ 90 bilhões. Por que vai desvalorizar desse jeito? A perspectiva lá de fora, eu acho que é de juros onde está para menos, do dólar frente às moedas também para menos. Não é consistente [a alta]. Essa sucessão de falas do governo, especialmente do presidente Lula, criticando afirmativamente o presidente do BC, só fez aumentar a temperatura do que já vinha mal.

Armando Castelar

Pesquisador do FGV-Ibre e professor da FGV Direito Rio e do Instituto de Economia da UFRJ

Penso que não devo entrevistar. Não há sinal de disfuncionalidade, o movimento do câmbio é pleno, com grandes entradas líquidas pelo lado comercial. E se a entrevista vai apenas atrair os especuladores que tentarão quebrar mais o câmbio. A desvalorização tem refletido os fundamentos, com o cenário externo ruim para emergentes e o aumento do risco macroeconômico no Brasil, na área fiscal e na incerteza sobre a sucessão no BC.

Caio Megale

Economista-chefe da XP e ex-secretário de Desenvolvimento da Indústria e Comércio

Por agora, não faz sentido o BC intervir no mercado. O que está acontecendo com o câmbio é um aumento do prêmio de risco com relação à incerteza da condição de política econômica no Brasil, ruídos etc. Enquanto esses ruídos permanecem em, essas incertezas permanecem em, que inclusive têm a ver com a transição do BC, não adianta fazer intervenção pontual, porque o BC vai gastar bala e não vai mudar o fundamento que está expressando esse aumento de risco. Acho que é o momento de tentar diminuir as incertezas fiscais com relação à sustentabilidade do arcabouço, tanto do lado do crescimento das despesas, quanto do lado do atingimento da meta.

Solange Srour

Diretora de macroeconomia para o Brasil no UBS Global Wealth Management e colunista da Folha

A intervenção deve ser feita apenas quando o mercado não está funcionando e não é este o caso. O que está acontecendo é uma piora na percepção de solvência fiscal e uma incerteza sobre o futuro do BC (que vai estar lá no ano que vem e como vai atuar). Por outro lado, a sinalização antecipada de quem irá substituir Campos Neto e os nomes dos próximos diretores diminuiriam dúvidas, mas nem isso seria suficiente. A unanimidade na última reunião do Copom [Comitê de Política Monetária] foi positivo, agora, o mercado vai testar reunião a reunião, a atuação dos diretores que vão estar lá em 2025 e 2026. Outra coisa que ajudaria seria um anúncio fiscal relevante, mostrar que a meta de 2024 está valendo e que o teto do arcabouço fiscal [de aumento de despesas até 2,5%] vai ser interrompido.

Samuel Pessoa

Pesquisador do Ibre-FGV e colunista da Folha

A desvalorização ocorre por um motivo real: há um déficit fiscal estrutural e não há reconhecimento do Executivo deste fato, nem há um plano crível de sanar ou problema em tempo hábil. Ou seja, a desvalorização do câmbio deve-se a um fundamento errado. Nessas circunstâncias, a intervenção no câmbio gera muita saída de capitais e baixo impacto sobre a cotação.

Carlos Kawall

Sócio-fundador da Oriz Partners e ex-economista-chefe do Banco Safra

Uma intervenção no câmbio seria um erro, certamente ineficaz. Continuo defendendo a tese da necessidade de um ajuste fiscal ser uma prioridade. Com o câmbio se depreciando, à medida que as expectativas de inflação continuarão piorando, o que deverá levar o BC a considerar o balanço de riscos como assimétrico para cima. Assim, aumentou o risco do BC subir juros ainda esse ano. Tomar que eu estou errado. Não merecemos isso. Mas o governo continua semeando vento.

Zeina Latif

Diretora da Gibraltar Consulting, responsável pelo cargo de economista-chefe em diferentes bancos

Há justificativa para a intervenção do BC quando há uma situação de liquidez muito baixa no mercado cambial, por demanda muito forte, e/ou um quadro de muitas incertezas. O quadro pode alimentar movimentos de manada, que produz muita volatilidade. A vibração prejudica muito o setor produtivo, então tem um efeito de contenção. Ainda que tenha o fator externo levado à valorização do dólar no mundo, aqui o movimento tem sido mais intenso, estando associado às incertezas em relação à política econômica, alimentadas pelas falas do presidente. O câmbio, em condições normais, estaria abaixo de R$ 5. Neste caso, o problema é que uma eventual intervenção vai ser pouco efetiva. Não acho que a bola esteja com o BC.

Luiz Gonzaga Belluzzo

Professor emérito da Unicamp e docente do Instituto de Economia

O BC pode tomar decisões para conter, atenuar a flutuação do câmbio — o que seria inconveniente. O que deveria ser feito é tentar impor certas restrições, colocar, por exemplo, um imposto sobre a entrada e saída de capitais. Se isso for colocado na prática, é claro, vai causar uma rebelião, vai dizer que estão fazendo uma coisa artificial, mas tudo é artificial no capitalismo.

Igor Rocha

Economista-chefe da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo)

A volatilidade acaba dependendo da abertura das longas curvas de juros, o que é muito ruim do ponto de vista da imprevisibilidade para o investimento. A imprevisibilidade da taxa de câmbio dificulta o planejamento do investimento e é um fator imediato para alta do custo do hedge. Algumas pautas de fato estão sendo postadas de uma maneira um pouco mais quadrada, como a MP do PIS/Cofins. Precisaria de um pouco mais de tranquilidade neste momento. Mas precisa ter um encaminhamento por parte do gasto. Está faltando. Não dá para achar que vai fechar a conta só pelo lado da receita.

David Deccache

Doutor em economia (UnB) e assessor parlamentar na Câmara dos Deputados

Há raízes estruturais no movimento cambial que observamos, e por mais necessárias que medidas de intervenção possam ser, ainda assim atuam apenas no sintoma. Por fim, declarações do BC afirmando que vai buscar garantir a estabilidade cambial utilizando os instrumentos necessários, tenderia a reduzir o movimento atual de desvalorização, volatilidade e incerteza —mesmo que não resolvam o problema original: uma política fiscal organizada tendo com base uma regra que viola princípios matemáticos básicos.



FOLHA DE SÃO PAULO

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