domingo, outubro 6, 2024
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qual o compromisso de Lula?



Quase duas semanas depois de parar de atacar a necessidade de um ajuste fiscal, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) voltou a criticar a necessidade de um corte de gastos e diz não ver problema em um rombo das contas públicas.

“Não tem nenhum problema se é déficit zero, se é déficit de 0,1% [do PIB]há um déficit de 0,2% [do PIB]. O importante é que este país esteja crescendo, que a economia esteja crescendo, que o emprego esteja crescendo, que o salário esteja crescendo”, disse Lula em entrevista à TV Recordnesta terça (16).

Horas antes de ir ao ar, um trecho da entrevista acabou sendo vazado para uma corretora, que o divulgou a investidores. O dólar saltou de R$ 5,41 para R$ 5,46, mas fechou na terça para R$ 5,445. O mercado financeiro voltou a ficar desconfiado em relação ao compromisso do governo com a responsabilidade fiscal.

Na entrevista, Lula diz se comprometer com o arcabouço fiscal, mas afirmou que tem de ser confirmado sobre cortes de gastos em 2024. Também destacou que não é obrigado a cumprir a meta fiscal se “houver coisas mais importantes para fazer.”

Posicionamentos anteriores do presidente – contrários ao ajuste fiscal – mexeram fortemente com a taxa de câmbio nas últimas semanas. Ela saiu do nível de R$ 5,20, no final de maio, para R$ 5,60, no final de junho. As declarações mais contidas, no dia 2, levaram a moeda dos Estados Unidos a ser negociada na marca de R$ 5,70.

Após esse período explosivo, Lula recuperou a queda de braço com o mercado financeiro e incorporou o discurso do corte de despesas. O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, chegou a anunciar uma revisão de R$ 25,9 bilhões em gastos com benefícios sociais, após uma reunião em que o presidente foi alertado sobre o risco do não cumprimento do arcabouço fiscal. O corte foi considerado insuficiente pelo mercado.

Segunda-feira é dia fundamental para ajuste fiscal

O governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) se aproxima de sua “hora da verdade” em relação à responsabilidade fiscal. Um dado decisivo para a gestão petista será na próxima segunda-feira (22), quando for divulgado o próximo relatório de avaliação do Orçamento deste ano e as medidas ao cumprimento da meta fiscal deverão ser implementadas.

O documento, que será encaminhado ao Congresso, deve apontar a necessidade de fazer ou não um bloqueio para o cumprimento do teto de despesas do arcabouço fiscal ou um contingenciamento para não estourar a regra da meta.

“O governo terá que demonstrar que a execução fiscal deste ano atenderá à meta de zerar o primário deste ano e que fará os cortes necessários para que as metas fiscais sejam cumpridas”, diz o economista Samuel Pessôa, do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre). “Caso contrário, a ocorrência do mercado será muito pior.”

Analistas confirmam que a percepção do mercado financeiro mudou após os anúncios de cortes de despesas e o silêncio de Lula sobre o tema. Ainda assim, eles querem ver medidas concretas. “O mercado precisará ver resultados concretos nos números e não comprará apenas promessas”, alertou a Verde Asset Management, em carta divulgada a clientes.

Expectativas deterioradas acenderam alerta

A visão geral das perspectivas observadas em junho foi uma espécie de virada de chave para o mercado financeiro. Os gestores mantêm suas apostas na alta do dólar contra o real. “A preocupação do mercado é legítima”, afirma Pessôa. Para ele, o “mau-humor dos investidores” é justificado pela atitude do governo Lula que, ainda não empossado, “destruiu” a regra do teto de gastos e aprovou a PEC da transição que permitiu gastos adicionais a superiores R$ 180 bilhões no Orçamento.

“Depois, aprovou um arcabouço fiscal, que tem méritos, mas que propõe o ajuste fiscal muito mais lento, muito mais suave do que o anterior”, lembra o economista. “E daí, no primeiro momento em que a regra começa a gerar algum tipo de conflito distributivo na sociedade, ele muda a meta do próximo ano. E ainda dá declarações de que não demonstra comprometimento com o fiscal.”

Sérgio Shmayev, economista e professor da Fipecafi, diz que o momento é delicado e que o mercado vem precificando a incerteza do governo “perder a mão” das contas públicas. “Há dúvidas se há uma intenção real de reduzir os gastos, ao lado da insistência na queda de juros [por parte do presidente Lula]”, afirma.

Fernando Ulrich, da Liberta Investimentos, é ainda mais cético. “Tenho certeza de que ele [Lula] fez isso [o recuo] um contragosto. Não é do perfil deste governo ajuste fiscal”, afirmou em seu canal no YouTube. “É um jogo de morde e assopra entre Lula e Haddad.”

Haddad, que respirou aliviado após ter reforçado o governo afinar o discurso pelo ajuste, conseguiu ganhar alguns pontos junto ao mercado. Mas ainda passa fragilidade. “[Haddad] é um ministro que não consegue fazer absolutamente nada e não consegue dar explicações. Para explicar, ele teria que bater no governo”, afirma Flávio Riberi, da Fipecafi. Segundo ele, o ministro não demonstra ter a confiança do presidente. “Se Lula confiasse [em Haddad]deixaria ele tomar as medidas que são permitidas.”

Réplica de Lula 2 ou Dilma 1?

A avaliação geral dos analistas é de que os próximos passos definirão o comportamento econômico real do governo. O recebimento é que replica as políticas do final do governo de Dilma Rousseff, que colocou a dívida pública em trajetória explosiva.

‘Desde o começo deste ano, não tem sorte qualquer sinal de ajuste estrutural (pelo lado da despesa) que torne consistente o arcabouço fiscal. Logo, ao longo dos últimos meses, tem diminuído a crença de que seja crível a busca pelo superávit primário que torna a dívida pública sustentável’, escreveu Alexandre Manoel, economista-chefe da AZ Quest, em artigo no blog do Ibre.

Para Pessôa, a preocupação do mercado e dos economistas está entrando em uma trajetória explosiva. Principalmente se o mercado considerar uma reeleição de Lula. “Seriam seis anos de trajetória ascendente que podem se tornar incontroláveis.”

O endividamento público avançou de 71,7% para 75,6% do PIB nos 14 primeiros meses do governo Lula, aponta números do Banco Central (BC). A expectativa do mercado financeiro, segundo o boletim Focus, é de que ela chegue a 77,7% no final do ano e 80,2%, em dezembro de 2025.

A trajetória da dívida, somada às incertezas do cenário externo, deveria ser exigida do governo, na avaliação dos economistas, maior demonstração ou sinalização de austeridade e cooperativamente entre as políticas financeiras e fiscais.

Na avaliação de Pessôa, a “hora da verdade” está chegando, e o governo Lula parece se aproximar da gestão Lula 2, que deu início à desestabilização das contas públicas.

“Se o presidente fizer tudo certo, o câmbio voltará para o patamar dos R$ 5,20. [Lula] terá espaço para arrumar as coisas e não se deparar com problema inflacionário grave. Mas, de fato, ele mantiver a percepção de que não está preocupado com a trajetória da dívida pública, que não está nem aí, o câmbio andará mais e baterá na inflação. Isso prejudicará sua popularidade para a eleição de 2026.”

A sucessão no BC também é acompanhada com atenção

As perspectivas de mudança no comando do Banco Central também reforçam as incertezas. Gabriel Galípolo, diretor de Política Monetária do BC e provavelmente indicado por Lula à sucessão de Roberto Campos Neto à frente da autarquia, precisará conquistar a confiança do mercado.

A dúvida é se a próxima composição do Comitê de Política Monetária (Copom), que terá sete dos nove integrantes indicados por Lula, será mais leniente com relação à inflação e afrouxará a taxa de juros, como defesa do mandatário.

“Será necessário um longo processo de construção de confiança [do novo Copom]”, avalia Pessôa. “Todos ficarão mais atentos até se convencerem de que o novo Banco Central está imbuído de fazer a política necessária para manter a inflação na meta.”

“Enquanto o presidente Lula não explicitar com clareza como se comportará economicamente nos próximos anos, os preços dos ativos não se estabilizarão”, destaca Alexandre Manoel, da AZ Quest.



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