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Reforma tributária e os impactos para as organizações sem fins lucrativos – 18/07/2024 – Que imposto é esse


A aprovação da primeira parte da regulamentação da reforma tributária na Câmara dos Deputados, no dia 10/07, trouxe o assunto novamente em evidência. Ainda que publicamente o tema ganhe relevância, o debate sobre como a reforma tributária impacta as entidades sem fins lucrativos ainda merece ser mais aprofundado.

As entidades, também as chamadas de organizações da sociedade civil —OSCs, são consideradas sem fins lucrativos porque não podem distribuir seus excedentes ou resultados financeiros, diferentemente do que acontece com as empresas. Outra característica fundamental é que as organizações exercem atividades de interesse social, que geram benefícios para a sociedade de forma geral. O sistema tributário atual registra a particularidade das entidades sem fins lucrativos e a relevância do trabalho que realiza, e faz isso estabelecendo regras e benefícios específicos para tais entidades, ainda que com algumas imperfeições.

Essa situação, no entanto, será alterada com a reforma tributária que está em andamento no país. A primeira etapa da reforma foi concluída com a aprovação da Emenda Constitucional nº 132, no final de 2023. Nesse momento, estamos na fase em que o Congresso Nacional está avaliando as propostas de regulamentação da reforma tributária, que consistem nos projetos de lei complementar ( PLPs) nº 68 e 108, ambos de 2024. O primeiro teve sua votação concluída na Câmara dos Deputados e segue para avaliação do Senado, enquanto o segundo ainda deve ser objeto de deliberação pela Câmara.

A proposta é abordar as principais mudanças que a reforma tributária promove nas regras tributárias que atualmente se aplicam às entidades sem fins lucrativos. Assim, os pontos tratados neste artigo incluem tanto as alterações alteradas pela Emenda Constitucional nº 132, como aquelas sugeridas nos PLPs. Cabe ressaltar, no entanto, que as propostas que constam nos PLPs ainda estão sendo objeto de análise pelo Congresso Nacional e poderão passar por mudanças ao longo de seu processo de tramitação.

São destacados três impactos principais da reforma tributária em relação às OSCs: aqueles que estão diretamente ligados às entidades imunes, os impactos para as entidades que não são imunes, e sim isentas e, por fim, mudanças na tributação de doações para as organizações.

Antes de detalhar os impactos, é importante retomar as sugestões que orientam a reforma tributária. A mudança em curso no sistema tributário brasileiro é focada no consumo, ou seja, por enquanto não promove mudanças na tributação sobre a renda. O consumo engloba todas as operações que envolvem a transação de bens e serviços, como compra e venda e prestação de serviços. Por isso, a reforma tributária gera impacto para toda a sociedade, inclusive para as entidades sem fins lucrativos que são tomadoras ou prestadas de serviços, bem como adquirentes ou até vendedores de produtos. Os cinco tributos que incidem sobre o consumo (ICMS, ISS, PIS, Cofins e IPI) serão extintos e substituídos por dois novos: o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS). Estes deverão ter alíquota única e uniforme em todo o território nacional. Se, por um lado, uma reforma impacta todas as organizações, por outro lado, é certo afirmar que algumas entidades serão mais impactadas do que outras.

Em relação aos impactos específicos para as entidades imunes, há novidades positivas. As entidades imunes continuam sendo as mesmas do sistema atual, isto é, as instituições de educação e de assistência social sem fins lucrativos, conforme determinação do art. 150, III, “c”, da CF. Assim, não são todas as entidades sem fins lucrativos que possuem imunidade, mas são resguardadas apenas às organizações que atuam nas questões de educação e assistência social. No novo sistema, essas entidades gozarão de imunidade tributária em relação ao IBS e à CBS, pois há previsão de que ambos os impostos deverão adotar as mesmas regras (art. 149-B, II, CF).

A novidade positiva é que, diferentemente do que ocorre atualmente com a Cofins, não será mais necessário que a entidade possua Cebas para poder gozar de imunidade tributária da CBS. Assim, as entidades estariam dispensadas de cumprir o critério da Lei Complementar nº 187/2021, mas continuariam obrigadas a atender aos requisitos da Lei nº 5.172/1966 —que é o CTN (Código Tributário Nacional) —e da Lei nº 9.532/1997. Ainda que tenha sorte proposta de estabelecimento de novos e rigorosos critérios para as entidades imunes, a mobilização feita pelas organizações na Câmara dos Deputados resultou em acréscimo apenas uma, que os comprovantes da origem e de registro de recursos, bem como os documentos relativos a atos ou as operações relacionadas ao seu patrimônio serão conservadas pelo prazo de dez anos.

Também há mudanças no novo sistema tributário que impactam as entidades sem fins lucrativos que são isentas. Para essas, as alterações tendem a trazer impactos tributários mais significativos do que para aqueles que são imunes, implicando em um aumento da carga tributária. Na categoria de isenta, a princípio, se enquadraram as demais entidades que não atuam nas questões de educação e assistência social —as quais possuem imunidade.

Com as substituições dos tributos atuais pelo IBS e CBS, os benefícios fiscais que as entidades isentas possuem atualmente em relação a esses tributos também serão extintos. No caso do PIS e Cofins, a serem substituídos pela CBS, são dois os benefícios fiscais que deixarão de existir: a isenção de Cofins sobre receitas referentes às atividades próprias da entidade e a alíquota do PIS de 1% sobre a folha de salário. Como a estimativa é que a alíquota da CBS seja em torno de 8,8%, segundo o governo, é evidente que haverá uma ampliação da carga tributária. A mesma lógica se aplica ao ICMS e ao ISS, que também serão extintos. Consequentemente, eventualmente, benefícios fiscais concedidos às OSCs nas legislações estaduais e municipais relacionadas a esses tributos —p. ex., autorizado de IPTU – serão suprimidos.

O último ponto que vale destacar, que é positivo para as entidades como um todo, é a tributação das doações. Apesar da reforma tributária estar focada nos tributos que incidem sobre o consumo, também foram feitas mudanças no ITCMD (Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação), que é um tributo que incide sobre a renda. A grande novidade é a inclusão na Constituição Federal de previsão determinando que não incide o ITCMD nas doações ou financiamentos de bens e direitos para instituições sem fins lucrativos com finalidade de relevância pública e social (art. 155, § 1º, VII).

O PLP nº 108/2024, por sua vez, propõe um detalhamento das condições em que as ações envolvendo organizações não são tributadas. Dentre elas: (i) que a não incidência do ITCMD se aplica tanto a doações feitas como recebidas por entidades de “relevância pública e social”; (ii) que são consideradas de “relevância pública e social” como entidades “dedicadas à promoção dos direitos fundamentais compreendidos nos art. 5º e art. 6º da Constituição e das políticas sociais e ambientais incluídas no Título VIII da Constituição”; (iii) que os bens ou direitos doados devam estar relacionados com os objetivos institucionais das entidades; e (iv) que as entidades atendam a todos os requisitos previstos no art. 14 do CTN (Código Tributário Nacional). Atualmente, o CTN exige que as entidades não distribuam seu patrimônio ou resultado, que apliquem seus recursos integralmente no país e em seus objetivos sociais e que mantenham a escrituração contábil regular.

Assim, a reforma tributária apresenta novidades positivas para as organizações em geral, pois não serão mais tributadas as doações que recebem e fazem, desde que atendam aos requisitos. Ainda assim, há mudanças projetadas para entidades imunes, que não precisarão obter qualquer certificação específica para poder usufruir da imunidade em relação ao IBS e à CBS. Contudo, para as entidades isentas, a reforma possui um aspecto negativo, que é o aumento de carga tributária, em razão da inexistência de isenções específicas relacionadas aos novos tributos. Ainda assim, pode haver algumas alterações nessas regras já que os projetos que regulamentam a reforma ainda estão sendo planejados no Congresso Nacional. É fundamental, portanto, que as organizações acompanhem a tramitação dessas propostas e mantenham a mobilização para garantir uma reforma justa, que considerem os aspectos específicos das organizações sem fins lucrativos, bem como estimular a atuação voltada ao interesse público e à solidariedade.



FOLHA DE SÃO PAULO

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