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Agricultores encontram dificuldades para doar alimentos – 18/07/2024 – Mercado


Desde 2020, o projeto FaçaUmBemIncrível faz a ponte entre produtores rurais da região de Mogi das Cruzes, na Grande São Paulo, e pessoas em situação de insegurança alimentar. Fundada na pandemia por Simone Silotti, a ação distribui esses alimentos a quem precisa, remunerando os agricultores pela produção e cobrindo os custos de transporte.

A partir do engajamento dos produtores no projeto, eles puderam se organizar e financiar a CAQ (Cooperativa Agrícola de Quatinga e região). Ela leva o nome do distrito de Mogi das Cruzes onde fica a maioria das propriedades rurais dos 21 agricultores cooperados. Todas são de pequeno porte e não ultrapassam sete hectares (o equivalente a sete quarteirões).

O projeto já doou aproximadamente 430 mil toneladas de produtos desde o início e, só no ano passado, foram 38 toneladas de doações patrocinadas. Neste ano, contudo, foi realizada apenas uma doação patrocinada, somando pouco mais de uma tonelada. O financiamento veio de um grupo de quatro amigos que se dividiu para fazer a doação.

Simone e o projeto já foram reconhecidos pelo trabalho e colecionam prêmios, como por exemplo o Prêmio Internacional “Alma da Ruralidade”, concedido pelo IICA (Instituto Interamericano de Cooperação para a Agricultura) e o Prêmio Empreendedor Social 2020, concedido pela Fundação Schwab e pela Folha. Além disso, o CAQ também teve sua privacidade pública reconhecida pelo município de Mogi das Cruzes.

Foi através do sucesso dos primeiros anos do projeto FaçaUmBemIncrível que os produtores puderam levantar recursos e se organizar. Neste ano, porém, a situação tem sido bem diferente e a caixa já acumula R$ 400 mil negativos, conta Simone Silotti, que também é produtora rural.

O vem financiamento principalmente de empresas privadas, que não pôde ajudar em 2024. “As empresas com quem eu tenho contato migraram os recursos para ajudar o Rio Grande do Sul após a tragédia das chuvas. Naturalmente, a gente entende, mas ficamos desprovidos de recurso e sem nenhuma perspectiva de entrada até o final do ano”, explica Simone.

No último dia 6 de julho, os alimentos da única doação viabilizada neste ano foram entregues para mais de 900 famílias que vivem na Ocupação Nova Laranjeira, no Jardim Iguatemi, zona leste de São Paulo.

“Essas ações são essenciais para a vida aqui. Infelizmente, às vezes ficamos seis ou sete meses sem receber nada”, conta Joanadaque Maria Santos da Silva, líder comunitária e membro do Grupo de Mulheres do Brasil.

A distância entre Quatinga e a ocupação é de aproximadamente 40 milhas, e os produtores e a comunidade têm dificuldade de estabelecer um canal contínuo de entrega de ações.

Sem patrocínios para cobrir os custos de produção em 2024, o projeto tem recorrido ao apoio de instituições que vão até as propriedades rurais para retirar e distribuir os alimentos.

É o caso do Sesc Mesa Brasil, que organiza as doações de alimentos para 1.200 instituições sociais cadastradas. Eles contam com galpões e veículos para realizar o transporte dessas doações. No estado de São Paulo, são 53 veículos circulando todo dia.

No dia 12 de julho, o Mesa Brasil foi até a propriedade de Jaqueline Mognon, agricultora que faz parte do CAQ, retirar 2,4 toneladas de couves e cogumelos para doação. Os produtos foram entregues na terça-feira (16) ao Instituto Rogacionista, na zona oeste de São Paulo. Se não foram colhidas, essa altura já foi estragada no campo.

DESPERDÍCIO DE ALIMENTOS

Segundo dados reunidos pelo Pacto Contra a Fomeo Brasil joga fora 55 milhões de toneladas de alimentos todos os anos, sendo 31,2% desse valor referente à perda ainda nas fases de produção e colheita.

Levando em conta o número de pessoas em situação de insegurança alimentar no país, que é de 33 milhões, seria possível oferecer oito refeições com o que se perdesse no total.

Jaqueline Mognon explica que os extremos climáticos, como chuvas acima da média ou frentes frias, têm sido um fator determinante no desperdício. “Agora, com o frio, o consumo de leguminosas e verduras sempre diminui. Só que a produção não cai necessariamente”, explica a agricultora.

Esse descompasso entre o clima ideal para a produção de hortaliças e os hábitos de consumo também é uma das causas da perda no campo, o que reafirma a importância das doações de alimentos para evitar o desperdício.

“No inverno, temos uma amplitude térmica para produzir, mas o consumidor não procura tanto assim. Por outro lado, no verão a situação se inverte”, afirma David Rodrigues, da CATI (Coordenadoria de Assistência Técnica Integral) da Secretaria de Agricultura e Abastecimento do estado de São Paulo.

As hortaliças produzidas na região do Alto Tietê, que abrange os municípios às margens do rio Tietê a partir de sua nascente em Salesópolis, são essenciais para o abastecimento da capital e do litoral paulista. Segundo o secretário de Agricultura e Abastecimento de Mogi das Cruzes, Felipe Almeida, cerca de 70% das feiras livres da cidade de São Paulo são abastecidas com alimentos produzidos no município.

DEIXANDO O CAMPO

Desde a década de 1950, o Brasil experimenta um processo de êxodo rural, no qual a população cresce nas cidades e diminui no meio rural. Simone afirma que as dificuldades enfrentadas pelos pequenos produtores agravam esse cenário, estimulando a continuidade da produção agrícola.

“Na nossa cooperativa [CAQ], cerca de 20% dos produtores deixaram de produzir. Alguns vendendo as terras, e outros, enquanto não vendem, estão alugando”, conta Simone.

“[O êxodo rural] é o resultado de fatores como a concentração fundiária, fatores climáticos e ambientais, mecanização e falta de acesso a tecnologias, mudanças no mercado e nos modelos de negócio e gargalos nas políticas e financiamento e a falta de estrutura nas áreas de educação, internet e logística para escoamento”, explica Gabriel Delgado, representante do IICA (Instituto Interamericano de Cooperação Agrícola) no Brasil.

Conforme lembra David, um dado importante que pode ser observado é a comparação entre as variações do valor de mercado dos produtos agrícolas e do valor pago pelos produtores pelos insumos, como fertilizantes, defensivos agrícolas e máquinas.

“Nos últimos dez anos, o valor pago pela produção cresceu muito pouco em comparação com os gastos que o produtor tem. É quase uma progressão progressiva”, explica.

Felipe Almeida, secretário da Agricultura de Mogi, lembra também que a especulação imobiliária também é um fator importante, principalmente na região, que tem uma proximidade a centros urbanos e é buscada para lazer.

“Muitas vezes, o custo da oportunidade da terra, toma uma proporção tão grande que as corretoras vêm e fazem ofertas irrecusáveis, com valores que o produtor levaria cinco anos para conseguir através da produção, por exemplo”, afirma.

O FaçaUmBemINCRÍVEL tem contado com o apoio do IICA para fortalecer sua atuação e superar os percalços. Foi através do instituto que Simone se reuniu com o ministro do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar, Paulo Teixeira, no dia 8 de julho, em Brasília. O evento também reuniu outros líderes rurais.

“No encontro, os líderes relataram o trabalho desenvolvido em suas comunidades, os resultados e os desafios que ainda enfrentam […] No caso do projeto de Simone, o ministro se comprometeu a articular com a Caixa Econômica e outros possíveis financiadores, uma vez que ela relatou dificuldade com a renovação das parcerias de financiamento porque os recursos migraram para socorrer as vítimas da tragédia no Rio Grande do Sul “, conta Delgado.

Em nota, o Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar disse estar atento às repercussões das tragédias no Rio Grande do Sul e afirmou tomar medidas para mitigá-las, como o valor recorde de R$ 76 bilhões para o Plano Safra da Agricultura Familiar.



FOLHA DE SÃO PAULO

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