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Mazzucato: governos dependem demais de consultorias – 19/07/2024 – Mercado


Vencedor das eleições não Reino Unidoo Partido Trabalhista do novo primeiro-ministro britânico Keir Starmer apresentou um modelo diferente de plano de governo em seu manifesto: ao invés de uma batelada de promessas divididas por área, “missões”, grandes objetivos que envolvem vários setores e organizam a gestão em torno de sua execução.

O conceito de governo “liderado por missões”, que influenciou o Trabalhismo, foi popularizado pela economista Mariana Mazzucato em seu livro de 2021, “Missão Economia: um Guia Inovador para Mudar o Capitalismo”.

Mazzucato está de volta e sua nova “missão”, em parceria com Rosie Collington, é apresentado no livro “A Grande Falácia”, que questiona o papel cada vez mais central de consultorias no funcionamento do setor público —cuja dependência excessiva, alegam, debilita governos, deixam-os reféns de interesses não declarados e ameaçam a própria democracia.

As consultorias atuam de forma jurídica e são frequentemente contratadas por empresas ou governos para dar um verniz de autoridade que respalda mudanças de impacto, como cortes de gastos e reformas. Para Mazzucato e Collington, no entanto, o que elas oferecem é um “truque de confiança”.

O trabalho de um consultor é convencer clientes inseguros de que eles tenham as respostas certas. E o livro passou por diversos estudos de caso para argumentar que os resultados são muitas vezes pouco eficazes, e não raros, específicos.

Dois casos pinçados pelos autores destacam-se: o desastroso início da ambiciosa reforma do sistema de saúde no governo de Barack Obama nos EUA, e o processo de recuperação pós-falência de Porto Rico.

Não é o caso Obamacare, para fornecer acesso básico e assistência médica feita aos americanos, partes essenciais do projeto foram terceirizadas e divididas em ofertas de consultoria. Apesar do aviso do próprio Obama de que “isso só vai funcionar se a tecnologia funcionar”, no dia do lançamento, em outubro de 2013, milhões de americanos planejaram o acesso ao site indicado e apenas seis pessoas conseguiram se registrar.

O governo tinha pouco controle da operação, no que Mazzucato e Collington definem como um caso em que o erro consiste em “contratar consultorias não só para avaliar administradores públicos ou prestar serviços especializados bem definidos, mas para governar”.

Para piorar, como o contrato era estruturado para fazer o cliente, no caso do governo, arcando com eventuais custos adicionais, o Grupo CGI cobrou pelo trabalho extra para correção de defeitos da plataforma “que eram resultado de suas próprias falhas”.

Em Porto Rico, em 2016, por influência de Washington (Obama também era o presidente), um McKinsey foi contratada para dar recomendações a um Conselho de Supervisão sobre o processo de falência.

A consultoria se envolveu na privatização de empresas públicas, reformas de saúde, corte de gastos públicos e restrição de dívidas, sendo que, defendem os autores, a própria consultoria possuía US$ 20 milhões em títulos de Porto Rico. Assim, os consultores estavam potencialmente lucrando com a mesma dívida que estavam ajudando na reestruturação.

As autoras alegam que as consultorias não causam as enfermidades do capitalismo neoliberal, mas com elas promovem uma profecia autorrealizável: na medida em que o Estado delegado, esse conhecimento não permanece no setor público. Logo, diante do próximo problema —e problemas acontecem quase o tempo todo em governos —estes terão de procurar novamente os consultores, que cobrarão o preço que lhes for conveniente pelo novo trabalho.

“[Consultorias] corroem as capacidades de estados e empresas. Como o conhecimento não é cultivado dentro das forças de trabalho e instituições estatais, uma dependência da ‘expertise’ das consultorias cresce vertiginosamente.”

Pode-se dizer que o livro parte de uma premissa e busca casos que respaldam sua tese, uma crítica válida. Mas as autoras não escondem o jogo. Assim como o Instituto de Inovação e Propósito Público da University City of London (UCL), fundado por Mazzucato com o objetivo de “desafiar o pensamento ortodoxo sobre o papel do estado e do setor privado na condução da inovação”, a dupla rechaça estar produzindo uma ciência plana e de conclusão absoluta.

A busca aqui é encarar o debate, provocar reflexão e propor mudanças com uma visão ideológica explícita, à esquerda. Tal como fez, com sucesso, ao influenciar o plano de governo do novo governo britânico, após eleito 14 anos de domínio conservador no Reino Unido.

A nova fronteira, aponta na última seção do livro, é a questão climática, com a atual explosão de contratos para avaliar a governança ambiental, social e corporativa (ESG, na sigla em inglês). “A indústria da consultoria ajudou a consolidar formas de produção movidas pela maximização dos lucros no curto prazo que intensificaram as emissões de carbono”, defende.

“Agora, diante da preocupação crescente com a crise climática, aproveitamento uma nova onda (…). Trabalhamos simultaneamente para governos cujas propostas gostariam de ver uma redução nas emissões e para as empresas de combustível fóssil que mais atrativas para a crise do clima “, conclui.



FOLHA DE SÃO PAULO

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