segunda-feira, outubro 7, 2024
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Decisão do STF sobre maconha gera confusão para policiais



A tese do Supremo Tribunal Federal (STF) que redefine as avaliações relacionadas ao porte de maconha para consumo pessoal tem causado confusão na classe policial e entre especialistas em Direito Penal. Questões sobre qual deve ser o procedimento diante do uso da droga e sobre a detenção ou não dos usuários ainda têm sido debatidas por juristas e dentro da própria polícia.

No dia 9, diante da confusão gerada após a decisão do STF, a Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro (PME-RJ) chegou a publicar um boletim de esclarecimento para sua tropa. O objetivo era comunicar que a detenção de usuários durante a abordagem policial continuava sendo o procedimento padrão.

“Até os presentes dados, não houve alteração em relação às ações de polícia ostensiva e preservação da ordem pública da PME-RJ, razão pela qual as pessoas que foram flagradas fazendo uso de maconha ou portando a droga ilícita foram transferidas para a autoridade policial da circunscrição para apresentação do fato e do material, com vistas à adoção das medidas legais cabíveis por parte da polícia judiciária”, afirmou o órgão.

No Paraná, o coronel da reserva remunerado da Polícia Militar (PM-PR) Alex Erno Breunig, vice-presidente da Assofepar (Associação dos Oficiais da PM e dos Bombeiros Militares do Paraná), disse à Gazeta do Povo que a descriminalização do uso deve promover o tráfico e reforçar a confusão da classe policial em relação à decisão.

Em meio à falta de clareza sobre as consequências legais do porte, há acusações de que a busca por maconha aumentada no Brasil após a decisão do STF. No Google Trends, a mídia diária de pesquisas pela expressão “onde comprar maconha” mais que dobrou no país após a decisão, entre 26 de junho e esta terça-feira (23), em comparação com a média dos dias anteriores do ano (entre 1º de janeiro e 25 de junho).

Segundo o STF, um grupo de até 40 gramas de maconha para uso pessoal não é mais uma infração penal, já que não há preconceitos de tráfico. A autoridade policial deve apreender a substância e notificar o autor para comparecer em juízo, sem lavrar auto de prisão em flagrante, aplicando medidas educativas, como advertências sobre os efeitos da droga e programas educativos.

Juristas comentam confusão sobre decisão da maconha no STF

O advogado criminalista João Rezende esclarece, em primeiro lugar, que a maconha permanece sendo uma droga ilícita no Brasil. “Continua tendo um caráter ilícito o fato de portar maconha, mas essa ilicitude não está mais na esfera penal, está na esfera administrativa”, explica.

Além disso, a compreensão da droga continua ocorrendo, assim como a sua destruição. Persiste a confusão, contudo, sobre o usuário ser ou não prorrogado para a delegacia. “Uma das diretrizes condicionais pelo Supremo Tribunal Federal foi a de que esse procedimento não vai ser penal. Ou seja, na delegacia não será lavrado um auto de prisão em flagrante, nem vai ser lavrado um TCO – um termo circunstanciado de ocorrência –, porque não tem caráter penal. Vai ficar a carga da delegacia o processo administrativo em relação à destruição da droga e à notificação do usuário, e também o seu encaminhamento para a realização do curso”, afirma.

A dúvida que fica, no entanto, é se para esse procedimento administrativo o policial precisa levar o usuário para a delegacia ou não. Rezende acredita que “de forma imediata, a partir do julgamento do STF”, deve-se manter o procedimento padrão. “Uma pessoa vai ser apreendida com a droga pela polícia, vai ser conduzida para a delegacia da mesma forma, e notificada. Ou seja, as avaliações tanto do inciso 1 quanto do inciso 3 do artigo 28 da Lei de Drogas continuam sendo aplicadas, conforme o próprio Supremo Tribunal Federal distribuído. Ela será notificada e deverá ser encaminhada para posteriormente fazer um curso sobre a droga.

O delegado não poderá, contudo, lavrar o termo circunstanciado de ocorrência nem o ato de prisão em flagrante, mas continuará tendo que aplicar as sanções administrativas e fazer as apreensões. “Agora, o Poder Executivo e o Legislativo precisarão definir se a pessoa deve ser encaminhada ou não para a delegacia, nessas apreensões”, afirma Rezende.

O jurista Fabricio Rebelo, coordenador do Centro de Pesquisa em Direito e Segurança (Cepedes), considera que haverá, sim, mudança na prática da abordagem policial. “O fator crucial é sempre a quantidade. Então, se o indivíduo tiver com 40 gramas ou menos, a polícia não terá razão para conduzi-lo à delegacia, pois passará a ser presumível que se destina ao consumo próprio e, com isso, não há crime”, diz. “Até a decisão do STF, como havia crime e apenas não havia pena, o indivíduo era suspensivo, se lavrava a ocorrência e o caso ia para o juizado criminal, onde foram impostas as medidas socioeducativas. Agora, não há mais razão para ponderar se condução “, completo.

Em qualquer caso, ao menos neste caso, se houver compromissos de tráfico de drogas – isto é, de negociação, entrega e distribuição de drogas – o procedimento penal deve ser interrompido. “A pessoa será conduzida para a delegacia e, se for traficante, será presa em flagrante, com todo o procedimento penal a respeito do tráfico de drogas, com base no artigo 33 da Lei de Drogas”, afirma Rezende.

Diversos elementos podem ser acusados ​​de tráfico de drogas, como anotações sobre transações e distribuição de drogas, o porte de balanças e o acondicionamento fracionado, além da própria conduta da pessoa e de seus antecedentes criminosos.

Para o capitão da Polícia Militar do Estado de São Paulo (PM-SP) Davidson Abreu, autor do livro “Tolerância Zero” (2021), o STF aplicou o cenário para a abordagem policial, que já não era simples.

“A atuação da PM contra o uso e porte de drogas já foi complicada antes no sentido operacional, pois, apesar de ser considerada crime, não gerou prisão, e as consequências foram muito brandas. Na prática, tirar uma viatura de seu setor de patrulhamento ou atendimento de ocorrências graves para a condução de alguém portando um cigarro de maconha, em que pelo menos dois policiais e uma viatura ficam inoperantes por horas, em um caso em que a suspensão era liberada antes do policial, gerava uma cadeia de descontentamento – isso no mundo real, porque claro que o policial é obrigado a cumprir seu dever, sob a pena de prevaricação Agora, o problema se acentuou”, comenta.

Para ele, defina uma quantidade “não faz o menor sentido”, porque o que caracteriza o tráfego é uma atividade comercial. “Já é prática dos traficantes andar com poucos detalhes para ter a possibilidade de usar a defesa do consumo próprio. Todo policial sabe disso. Agora, os traficantes têm algo mais a seu favor”, diz.

Tribunais superiores apenas confirmaram tendência que exibiram há anos

Rezende lembra que os tribunais superiores já tomaram decisões no sentido de remover a pena relacionada ao artigo 28 da Lei de Drogas, sobre a conduta do porte de drogas para consumo pessoal. Ele registrou o princípio do Direito Penal expresso no ditado nullum crimen sine poena – não há crime sem pena – para destacar que, perante a decisão dos tribunais superiores de não penalizar a conduta, a descriminalização parecia ser o próximo passo.

“É um requisito essencial da natureza do crime o fato de haver alguma pena. Não existe crime se não tiver pena. A partir desse cálculo, os tribunais superiores já tiraram os efeitos criminais dessa conduta, principalmente a reincidência. Se é um tipo penal que não tem pena, não é um tipo penal”, observa. “Há muitos anos, no STJ e no STF, a pessoa que responde pelo artigo 28 da Lei de Drogas não é considerada caso reincidente seja processado por outro crime. Sempre houve essa interpretação”, acrescenta.

O mesmo afirma Bruno Alvarenga, capitão da Polícia Militar de São Paulo (PM-SP) e mestre em Gestão de Políticas Públicas pela USP (Universidade de São Paulo). “O porte de entorpecente, de modo geral, já há algum tempo é um crime sem pena. É até fora de lógica. A gente diz que só no Brasil é que existem essas coisas como um crime sem pena. Você tem uma conduta que é tutelada pelo Direito Penal, só que não tem pena. Há algum tempo já estava meio capenga essa questão do porte de entorpecente. É por isso que infelizmente cada vez mais a gente vê pessoas desrespeitando a coletividade e usando maconha livremente nas vias públicas, nas praças. públicos, na frente da criança e assim por diante”, comenta.

Para Rezende, ainda que, na prática, a decisão não mude tanto o cenário em relação à abordagem policial, a decisão do STF é preocupante por seu caráter simbólico, favorecendo mais uma vez na opinião pública a visão daqueles que defendem a legalização da droga.

Davidson Abreu lamenta que os tribunais superiores estejam há anos tomando decisões que prejudicam o combate feito pela polícia ao tráfico de drogas. “Todas as decisões que tenho acompanhado do STF e STJ acabam beneficiando o tráfico de drogas e estamos nos tornando um narcoestado”, diz.

Outro elemento importante que vem passando despercebido, segundo ele, é que “o criminoso conhece muito bem a lei e suas brechas”. “As decisões do STF, decididas à posição da Câmara e também da maioria da sociedade, dão a impressão nítida de que o Judiciário não está apenas a favor da liberação como forçar essa situação. Isso é um estímulo, porque quem julga é o Poder Judiciário . E, para o policial, é o contrário: há um desestímulo completo para combater esse crime”, afirma.



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