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Nas ruas, ganho com reciclagem requer cálculo e ergonomia – 27/07/2024 – Mercado


O suor escorre pela testa de David Max André, 41, enquanto ele puxa sua carroça pelo trânsito da maior cidade do brasil, ao som das buzinas de motoristas impacientes com seu veículo movido a tração humana. “Se pagar as minhas contas, eu saio da frente”, ele gritou, antes de ser ultrapassado por um SUV.

Se os catadores saíssem das ruas do país, a reciclagem brasileira, que recupera materiais descartados após o consumo para a fabricação de novas embalagens e produtos, ficaria ainda mais comprometida. Hoje, ó Brasil recicla apenas cerca de 4% dos resíduos sólidos urbanos recicláveis.

De acordo com a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), de 2010, a responsabilidade pela gestão de resíduos é compartilhada entre cidadãos, poder público e empresas. Fabricantes, importadores, distribuidores e comerciantes devem ser responsáveis ​​pela destinação adequada do lixo gerador por seus produtos. Estima-se que a maior parte dos resíduos que chegam à indústria de reciclagem vem por meio de catadores Ativos ou cooperativos.

A Folha acompanhou por uma manhã e uma tarde o trabalho de uma dupla de catadores e experimentou guiar a carroça com eles, revezando a atração em alguns trechos pelo caminho.

Para quem nunca fez o trabalho, o que mais impressiona é o medo de um acidente. A sensação é que os motoristas não respeitam a carroça como um veículo que requer espaço como outro, e somos vulneráveis ​​ao atropelamento a todo momento. À medida que a carga vai aumentando ao longo do expediente, as manobras para dar passagem aos carros e ônibus na pista, que já são difíceis, ficam ainda mais complicadas.

Se formos passo, os trancos da carroça parecem capazes de fraturar os ossos. Na descida, é um problema percebido o funcionamento dos freios. Com o passar das horas, o cansaço toma conta das pernas, mas o pior recebimento é a incerteza de que uma caminhada em busca dos resíduos irá gerar algum rendimento no fim do dia.

David trabalha como catador desde os 10 anos de idade. A carroça, que ele chama, com orgulho, de “meu instrumento de trabalho”, fica estacionada ao lado de um viaduto no bairro de Pinheiros, em São Paulo, cuidada por pessoas em situação de rua que moram ali. David lhes paga pelo serviço de vigia, já que sua casa fica a quase 20 quilômetros dali.

Atualmente, ele divide o faturamento com o amigo Cícero Teixeira da Rocha, 61, que não tem uma carroça própria. A dupla se trata por apelidos. David chama o colega de Zóio de Gato, por causa dos olhos claros, e responde por Fala Fino, uma referência ao timbre suave de sua voz.

Além de ajudar a coletar os materiais e revisar o peso da carroça, Zóio tem a função de abordar aqueles que eles chamam de “os clientes”. No mercado dos carroceiros, os clientes são os bares, restaurantes, padarias e obras que desovam restos de embalagens de papelão, garrafas de vidro e sucatas em geral. Algumas residências também entregam eletrodomésticos e eletrônicos antigos. Apesar de serem tratados como clientes, eles não pagam para que o catador leve embora a extinção. Alguns oferecem um prato de comida, lanche, água ou café.

Para explicar como se conduz uma carroça, David alerta que o cabo usado para puxar o veículo precisa ficar na altura da cintura. Ele improvisou a ergonomia e desenvolveu algumas técnicas para evitar lesões nos ombros e calos nos antebraços, mas diz ser incapaz de evitar as dores musculares do dia seguinte.

Além do exercício físico, a atividade exige conhecimento técnico e jogo de cintura. Quem guia uma carroça precisa conhecer os materiais e seus valores do momento, já que eles oscilam com as commodities. Trata-se de um negócio. Enquanto a carroça está cheia de móveis e eletrodomésticos descartados, por exemplo, não é hora de começar a acumular outro tipo de carga.

Depois que você descarregar um micro-ondas, um computador e uma cadeira de escritório na loja de um sucateiro (o pagamento não foi feito à vista), a dupla batida em busca de vidro e papelão.

Dois ou três estabelecimentos tinham alguns quilos de caixas de embalagens. Nada de vidro ou latim. Duas garrafas foram encontradas na sarjeta, mas eram Heineken, de vidro verde, que vale menos, segundo os catadores.

Nas latas de lixo da prefeitura, nada. Na série de caçambas pelas quais passaram, havia pedaços de papelão, mas o material estava sujo de poeira de construção, o que inviabiliza a revenda para reciclagem, dizem. Se estiver molhado, também não serve, explica David.

O dia parecia destinado ao fracasso, mas David seguiu em frente. Como se estivesse em um escritório e não no asfalto, pegou o celular e acionou uma lista de clientes e conhecidos para oferecer serviço de retirada.

E parte de carroça quase vazia em direção ao Mercado de Pinheiros, onde está instalado um contêiner da startup Green Mining, que compra vidro e papelão dos catadores por meio de um aplicativo. David explica que prefere vender tudo, já que a empresa paga preço superior ao praticado por sucateiros e faz depósito via Pix.

Segundo uma startup, é possível remunerar os catadores acima do mercado porque seu modelo de negócio exclui os intermediários, e quem paga a operação de logística reversa são as próprias companhias obrigadas por lei a custear o sistema de destinação de seus resíduos.

Nas últimas esquinas antes de chegar ao ponto de venda, enfim, três caixas de garrafas de todos os cores: azul, âmbar e verde. O vidro incolor, que vale mais, estava nos copos quebrados. As garrafas verdes prevaleceram.

“Se a Heineken mudasse a cor da garrafa e deixasse tudo incolor, dava para ganhar um troco”, lamenta David.

Na chegada ao mercado, as garrafas em núcleos foram separadas porque o vidro misto também vale menos na entrega. Antes de ver o resultado da balança, David estimou que toda a carga da carroça renderia cerca de R$ 20. “O Fala Fino está otimista. Aposto que vem menos de R$ 10”, disse Cícero. Deu R$ 28.

Seria preciso seguir em busca de mais. Enquanto decidiam o trajeto, David recebeu mensagem de um cliente em Pompeia, que tinha feito reforma e precisava descartar entulho no ecoponto. Ofereceu R$ 250 para que a dupla fizesse o carreto.

De novo, com o celular nas mãos, o carroceiro usou o mapa para traçar a trajetória. Seriam mais de 5 km só para chegar até lá, além de um trecho até o ecoponto, com a carga. Somando o caminho de volta para estacionar a carroça em Pinheiros, daria em torno de 15 km rodados no dia.

Já passando das 12h, mas parecia um novo expediente. “Que bom seria se todos os dias fossem assim. Nesse ramo, se trabalhar direitinho, dá para viver”, disse Cícero.

David Davidson. “Lembra, Zóio, daquele dia em que a gente rodou o dia inteiro, mas não ganhou dinheiro para comprar nem um doce no fim do dia?”, ele recordava.



FOLHA DE SÃO PAULO

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