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Grupos de interesses e reforma tributária – 08/02/2024 – Que imposto é esse


O trâmite do PLP 68/2024, referente a uma das leis regulamentadoras complementares da reforma tributária do consumo, na Câmara dos Deputadosfoi marcado pela intensa negociação de grupos de interesses organizados, das frentes parlamentares e dos representantes da União Federal (Ministério da Fazenda, Receita Federal e Procuradoria da Fazenda Nacional), dos estados e municípios.

A participação democrática de grupos de interesses, principalmente ligados a setores econômicos mais robustos e organizados (agronegócio, indústria, mineração, entre outros), objetiva a defesa de suas propostas, as quais, na sua ótica e objetivos, levariam ao aprimoramento da proposição legislativa . O debate ocorreu em diversos fóruns, não apenas nos gabinetes e corredores da Câmara, mas em congressos, seminários e na mídia. Algumas propostas tiveram sucesso e foram incorporadas no texto de relatório do deputado Reginaldo Lopes (PT-MG) aprovado no Plenário da Câmara dos Deputados, e recentemente enviado para o Senado Federal.

Na complexa sociedade moderna existem múltiplos interesses que estão latentes no tecido social. E a forma como esses interesses atuam e interferem no tema da tributação ainda não é objeto de estudos muitos no Brasil. Existem diversos conceitos de lobby, que privilegiam diferentes abordagens e aspectos envolvidos nessa atividade, cuja configuração no Brasil é dificultada pela ausência de sua regulamentação normativa.

Compreendemos o sentido de lobby como uma forma de representação de interesses junto ao Poder Público, através da atuação de pessoas físicas ou jurídicas, de direito público ou privado, diretamente ou por interposta pessoa, cujo objetivo é provocar, subsidiar, ações ou orientar a ação estatal. Através da atividade de lobby busca-se influência pública ou parlamentar na tomada de decisão, principalmente através do fornecimento de informações e dados técnicos que não são do seu conhecimento ou não são de fácil acesso e que são essenciais ou relevantes para a avaliação do tema objeto de uma política pública.

O lobby se diferencia da advocacia, que se vincula à defesa de uma causa, que na maioria das vezes se origina de um processo de reivindicação ou promoção de direitos vinculado a uma demanda relevante da sociedade.

A Ciência Política trabalha o conceito de déficit informacional dos parlamentares, pois não lhes é exigível que detenham o conhecimento pleno e aprofundado dos diversos assuntos que são analisados ​​no trâmite das proposições legislativas. Principalmente temas de conteúdo relevante técnico-especializado, como Direito, Economia, Meio Ambiente, entre outros. Por isso é natural a busca de informações junto a terceiros especializados, seja no Executivo, nas assessorias parlamentares ou nos grupos de interesse organizados. Não tem sido diferente na reforma tributária. Mas cabe aos parlamentares filtrar o conteúdo das mais diversas informações, de diferentes fontes, que são repassadas.

Um exemplo relevante são os estudos/projeções sobre os efeitos em termos de impacto nos preços ao consumidor da inclusão ou não de determinados produtos na cesta básica nacional ou no rol de mercadorias e serviços com alíquotas do IBS reduzidas, ou ainda sua inclusão ou não no Imposto Seletivo.

Os pleitos dos grupos de interesses foram estudados e vários deles acatados, desde a aprovação do texto-base que deu origem à Emenda Constitucional 132/2023, mas não podem ter o condição de descaracterizar ou desvirtuar os objetivos e pressupostos básicos da reforma. Toda e qualquer proposta deve ser comprovada não somente pela ótica da vantagem que traz para o setor ou categoria proponente, mas, principalmente, em face dos princípios norteadores que estão elencados na nova redação do § 3º, do artigo 145 do texto constitucional, que são a simplicidade, transparência, justiça tributária, cooperação e defesa do meio ambiente. E, ainda, é necessária premente de tornar o sistema menos regressivo tendo em conta que isso exige menos abordagens e mais mercadorias e serviços abarcados pela alíquota de referência.

Com a remessa do texto do PLP 68/2024, aprovado na Câmara dos Deputados, para análise, debate e votação no Senado Federal, inicia-se uma nova fase de trabalho de convenção dos senadores pelos interessados ​​na reforma tributária. É importante ter conhecimento de diferenças relevantes das formas de funcionamento práticas entre as duas Casas Parlamentares, principalmente no que se refere às formas de atuação e de envio de informações (pareceres, estudos, etc) pelos grupos de interesse. De forma resumida, podemos destacar os seguintes tópicos no âmbito do Senado em relação à Câmara:

i) Tendência à maior especialização dos gabinetes: por possuírem maior número de funcionários, é normal os gabinetes dos senadores possuírem especialistas jurídicos e economistas. É pela importância que normalmente a matéria tributária não tem trabalho parlamentar, mesmo um especialista em tributação. Isso permite que uma análise feita pela assessoria seja de maior qualidade, com a checagem de informações, dados e números transportados pelos materiais entregues;

ii) Melhor nível de informação técnica dos senadores: por serem melhores avaliados, existe a tendência dos senadores de serem mais independentes na formação das suas convicções, por dependerem menos de informações trazidas pelas assessorias das lideranças ou dos partidos;

iii) Vinculação à “escolha racional”: Além disso, os senadores tendem a ter uma atuação mais individualizada e menos vinculada a determinações de lideranças, por serem em menor número e por terem uma atuação vinculada à lógica da “escolha racional” e o objetivo final da reeleição. O que coloca na mesa questões como repercussão das medidas junto ao eleitorado, planejadas de impacto econômico, negociações políticas, entre outros;

iv) Dinâmica do mandato senatorial: pesa, ainda, o mandato mais longo (oito anos) e o perfil, ainda predominantemente, de serem os senadores políticos com maior bagagem política (experiências anteriores). Existe maior ligação dos senadores com os Estados, visto que vários já foram governadores, o que tende a lhes dar maior sensibilidade aos pleitos e demandas destes Entes;

v) Formato diferente de interlocução: Na Câmara dos Deputados, o contato é tradicionalmente mais fácil com os parlamentares. Com as conversas de corredores e as reuniões “em pé”, viabilizando a entrega de materiais e a rápida explicação de seus pontos principais. No Senado, a regra é o agendamento de reuniões nos gabinetes. Além disso, o trabalho das Frentes Temáticas ou Bancadas Parlamentares é bem mais forte na Câmara do que no Senado. Esses são alguns pontos que direcionarão os trabalhos no Senado, que já foram mostrados no passado (veja a minirreforma da tributação do imposto de renda) que envolve os temas mais estratégicos e políticos de forma bem diversa do que a Câmara dos Deputados.

Espera-se que os senadores façam o debate técnico e democrático que a reforma tributária exige, ouvindo todos os setores da sociedade, sempre tendo em foco os objetivos que informaram a promulgação da Emenda Constitucional 132/2023, para a construção de um novo sistema de tributação do consumo, menos regressiva e mais justa, inclusive com um mecanismo de cashback ainda mais incisivo.



FOLHA DE SÃO PAULO

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