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Secretário que regulamentou apostas assume defesa de apostas – 08/05/2024 – Mercado


Dois funcionários do alto escalonamento do Ministério da Fazenda que iniciaram o processo de regulamentação dos sites de aposta veio do governo para liderar o banco de apostas esportivas no escritório CSMV Advogados. A legislação incluiu no regramento do país produtos como caça-níqueis virtuais, transmissão de roleta, apostas esportivas e outras modalidades similares.

Ex-assessor especial da Secretaria Executiva do Ministério da Fazenda responsável pela elaboração da lei que regula os sites de apostas (Lei 14.790/2023), José Francisco Manssur foi anunciado, em 5 de junho, como sócio do CSMVescritório conhecido por representar a Libra, liga que reúne as camisas de maior torcida no Brasil, como Flamengo, Corinthians e Palmeiras.

O advogado entrou como superintendente de apostas esportivas —um setor da economia regulado por lei aprovada no final do ano passado, da qual Manssur foi o principal formulador de dentro do governo—, conforme noticiou primeiro o Estado de S. Paulo e confirmou a Folha.

De acordo com a Comissão de Ética Pública (CEP) da Presidência da República, que liberou o ex-funcionário da Fazenda a exercer atividade advocatícia antes do fim da quarentena de seis meses, Manssur não informou à entidade sobre a proposta profissional que recebeu nem sobre possível conflito de interesses.

Em seu pedido, Manssur informou apenas que desejava voltar a advogar, em consonância com sua formação intelectual.

“Não há impedimento para voltar à advocacia, a não ser que haja um conflito de interesse específico, ou que não houvesse ausência de uma proposta formal. Por isso, autorizamos, desde que respeitadas as condições aplicáveis ​​na decisão”, diz o presidente da decisão CEP, Manoel Caetano Ferreira.

Uma das condicionantes dessa liberação foi que Manssur informou se recebeu respostas para trabalhar no setor privado ou identificou possíveis conflitos de interesse.

Manssur não informou ao CEP que começou a defender clientes do setor de apostas ao assumir sociedade no CSMV Advogados em 5 de junho, diz Ferreira à reportagem.

Procurado pela Folha, Manssur afirma que “foi orientado em ligação telefônica de 13 de junho de 2024 por uma assessora do CEP a não realizar uma nova comunicação, uma vez que o formulário de 9 de abril por ele mencionado já mencionava que iria exercer a advocacia, e a proposta de CSMV era para atuar em um escritório de advocacia”. Em vista disso, ele afirma ter seguido a orientação.

Como Manssur foi a figura central na formulação da Lei 14.790 de 2023, que regula os sites de apostas no país, advogados e especialistas em administração pública ouvidos pela reportagem chamam a prática de “porta giratória” —termo usado para descrever situações em que servidores públicos assumem posições como lobistas ou consultores na área de sua atividade anterior no serviço público.

Manssur ainda levou consigo a ex-secretária-adjunta de Prêmios e Apostas do Ministério da Fazenda Simone Vicentini. Ela, destaca publicação no site do CSMV Advogados, foi responsável pelas portarias que “habilitaram entidades certificadoras dos sistemas de apostas online, estúdios de jogos ao vivo e online, a disciplina das transações de pagamento e a instituição da política Regulatória do setor”.

Vicentini deixou a secretaria-adjunta do SPA em 2 de maio, sinalizando também a pretensão de ser advogado. Para isso, recebi aval do conselheiro Edvaldo Nilo de Almeida. Em 19 de julho, o CSMV Advogados anunciou a sua contratação.

De acordo com o CEP, a ex-servidora notificou a comissão da proposta em 13 de julho e ainda não houve veredito sobre o possível conflito de interesses.

Em nota enviada à Folhaambos os advogados afirmam que o CEP “concluiu pela inexistência de conflito de interesses para o exercício da advocacia, sem qualquer ressalva a respeito de áreas de atuação, e pela dispensa da necessidade de quarentena”.

A professora de Administração Pública da FGV (Fundação Getúlio Vargas) Alketa Peci afirma que o caso de Manssur não é um caso de “porta giratória” tradicional, uma vez que o ex-assessor passou a maior parte de sua carreira no setor privado.

“Essa expertise adquirida no mercado também pode ter indicadores de captura, já que Manssur pode ter levado esses interesses que ele defende para sua atuação no governo, às vezes a captura não é simplesmente de interesse econômico, às vezes a captura se dá por compartilhamento da mesma forma de olhar o papel do Estado na vida econômica social”, afirma Peci.

Para ela, a quebra da quarentena nesse caso foi uma falha. “Esse mecanismo deveria garantir que a mudança de atuação do setor público no cargo comissionado para o setor privado viesse após um tempo de giro necessário.”

Procurado, o ministro Fernando Haddad disse por meio de sua assessoria que não tinha ciência das atividades profissionais que José Francisco Manssur e Simone Aparecida Vicentini assumiram após deixarem o Ministério da Fazenda.

Em entrevista logo após a saída de Manssur em 19 de fevereiro, o ministro Fernando Haddad elogiou o trabalho de Manssur na “formatação do projeto das apostas”. “Ele é um profissional de altíssima qualidade. Mas, enfim, a pedido, vai enfrentar outros desafios.”

No período em que foi assessor especial da Secretaria Executiva da Fazenda, Manssur recebeu advogados do CSMV Advogados em cinco graças —quatro com participação de Vicentini.

Renato Pucci, que assumiu em julho o cargo de coordenador-geral de Fiscalização de Apostas e será responsável pela supervisão do setor, esteve em quatro das reuniões mantidas entre Manssur, Vicentini e representantes do CSMV Advogados. Numa reunião de 4 de dezembro, a 18 dias da aprovação da Lei 14.790/2023, o objetivo era discutir a regulação das apostas que iriam à votação.

Em outros desses encontros, o escritório representou a casa de apostas sediada na Suíça Sportradar, que ainda não se cadastrou para atuar no Brasil, embora tenha sinalizado interesse.

Entre fevereiro de 2023 e o mesmo mês deste ano, Manssur manteve reuniões com 22 casas de apostas e entidades patronais do setor, mostra levantamento da consultoria de análise política e-Relgov, com base na agenda dos ministérios.

Entre as empresas que visitaram o escritório de Manssur, serviram casas de apostas que ainda não se cadastraram para atuar no mercado regulado brasileiro, como Bet365, BGC e Galera.bet.

“É curioso que essas empresas, que não estão no país para responder juridicamente por suas atividades, mantenham representantes para manter reuniões com agentes do setor público, para avaliar se vale a pena entrar no país”, diz Ana Junqueira, da E-Relgov.

Após a saída de Manssur, Vicentini manteve reuniões com mais seis entidades representativas das empresas do setor.

Em nota, os advogados Manssur e Vicentini afirmam que, “durante o período em que estiveram no governo, realizaram centenas de reuniões para debater o tema da regulamentação das apostas online no Brasil, nas quais foram apresentados todos os interessados ​​em discutir o assunto.”

Eles dizem que estão em conformidade com as exigências do CEP ao uso de informações privilegiadas.

“Desde o início de suas atuações como advogados da equipe de CSMV Advogados, José Francisco Manssur e Simone Aparecida Vicentini não fazem, e nunca farão, uso de informações privilegiadas, ou atuarão em processos dos quais tiveram participado, cumprindo a orientação de todas as determinações ordinárias pela CEP nas decisões que os dispensaram da quarentena.”

Nesta segunda-feira (5), o Ministério Público junto ao TCU (Tribunal de Contas da União) expediu representação para que seja investigação iniciada da ida dos dois ex-funcionários da Fazenda para o setor privado. O documento foi assinado pelo subprocurador-geral junto ao TCU, Lucas Furtado.



FOLHA DE SÃO PAULO

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