domingo, outubro 6, 2024
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STF pressionou e Congresso tenta manter emendas Pix



O Congresso deverá resistir a perder poder sobre as emendas parlamentares e tentará encontrar meios para manter a modalidade de transferências especiais, batizadas de “emendas pix” por serem feitas diretamente em estados e municípios sem finalidade específica de utilização.

Na semana passada, o ministro Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal (STF), deu 30 dias para que o Congresso Nacional esclareça esses repasses e determinou que o Tribunal de Contas da União (TCU) e a Corregedoria Geral da União (CGU) analisem, dentro de 90 dias, as transferências de emendas pix foram realizadas entre os anos de 2020 e 2024. A decisão liminar realizada de um pedido da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) para suspender as emendas Pix.

A questão deverá ser comprovada por outros ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) entre os dias 16 e 23 de agosto, em plenário virtual – quando eles depositam seus votos no sistema virtual da Corte, sem sessão presencial.

Antes mesmo do ultimato do STF, o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), admitiu que pode haver alteração na forma como são feitos esses repasses. O objetivo seria, em segundo lugar, garantir maior transparência sobre a destinação dos recursos enviados pelos parlamentares aos estados e municípios.

“Acho que o Pix vai ter que ser aprimorado agora para ter o objeto. De onde nasceu a emenda Pix? Da burocracia do governo. A turma fez uma emenda de transferência direta (para a prefeitura). Podemos avançar? Podemos. Vamos fazer a emenda emenda Pix com um objeto determinado”, disse o presidente da Câmara ao jornal O Globo no fim do mês passado.

Ainda de acordo com Lira, as emendas do Pix nasceram com a finalidade de facilitar a vida dos gestores locais, que ganharam maior liberdade para administrar recursos federais, e assim podem realizar obras como construção de escolas, sistemas de abastecimento de água e outros.

Mas a falta de transparência é um incômodo para alguns parlamentares, segundo afirmou um consultor do orçamento que conversou com a Gazeta do Povo de forma reservada, já que muitas vezes a destinação acaba ocasionada como uma espécie de moeda de troca a serviço de interesses políticos, mesmo sem a existência de uma vinculação legal destes recursos.

Na decisão, Dino afirma que as emendas do Pix só podem ser realizadas se atenderem aos requisitos constitucionais de transparência e rastreabilidade, o que não ocorre atualmente, já que as transferências permitem que deputados e senadores destinem recursos sem especificar como estes serão gastos, o que na decisão Na prática, permite que o gestor faça “o que bem entender” com a palavra.

Agora, com a determinação de que o Congresso trate as emendas com maior clareza, a Câmara deverá buscar suporte jurídico para avaliar uma solução que ao mesmo tempo atenda às determinações do judiciário, mas também manter o poder conquistado pelos parlamentares em relação às emendas.

Segundo uma outra fonte ligada à consultoria da Câmara dos Deputados, que conversou de forma reservada com a Gazeta do Povocomo é de praxe em questões dessa natureza, a consultoria deverá elaborar uma nota técnica para orientar a presidência da Câmara sobre que medida será adotada possível após o entendimento de Flávio Dino sobre irregularidades nessas transferências especiais.

Abraji comemora o resultado

“A decisão do STF é muito importante, pois previne danos aos cofres públicos e busca garantir a aplicação dos princípios constitucionais de transparência e fiscalização dos recursos públicos. Esta não é uma vitória apenas do jornalismo, mas de toda a sociedade”, disse o presidente da Abraji, Katia Brembatti, em nota.

Ao responder à ação da Abraji, o ministro Flávio Dino também determinou que as emendas do Pix só poderão ser especificadas pelo parlamentar ao estado pelo qual foi eleito, além de exigir que o detalhamento seja feito em plataforma específica do governo.

Congresso pode dar mais transparência para evitar fim das emendas Pix

Segundo disse à Gazeta do Povo uma fonte ligada ao Orçamento, uma das saídas possíveis para o impasse entre o STF e o Congresso em relação às emendas Pix pode ser alterada a regra para dizer como o dinheiro público será investido, em quanto tempo, e exigir a prestação de contas da aplicação dos recursos, ou que resolveria a falta de transparência apontada pelo Judiciário.

Com a decisão do STF em 2022 que determinou o fim das emendas de relator (RP9), batizadas de orçamento secreto, o montante destinado às emendas especiais, criadas em 2020, aumentou exponencialmente: em 2022 o governo pagou R$ 1,66 bilhão dos R$ 3,3 bilhões autorizados no orçamento; em 2023 o valor pago saltou para R$ 8,7 bilhões, de R$ 7 bilhões autorizados na lei orçamentária do ano passado – o valor pago pode ser maior por causa de restos a pagar de anos anteriores.

Esses valores destinados a estados e municípios são livres, com definição apenas do que deve ser aplicado em investimento e custeio. Portanto, fica a carga dos gestores decidirem onde gastarão o dinheiro, segundo explica o consultor de orçamento da Câmara Fidélis Fantim. Não há o devido controle por parte dos parlamentares, e isso causa desconfiança.

Menos de 1% das emendas Pix de 2024 informam destino e fim de dinheiro

Um levantamento realizado pela Transparência Brasil, organização independente que desde 2000 atua para promover a transparência e o controle social do poder público, mostra o baixo nível de informações disponíveis sobre o destino do dinheiro das emendas Pix inseridas na Lei Orçamentária Anual (LOA) de 2024. Menos de 1% dos R$ 8,2 bilhões dessas emendas identificam o destino e para que o dinheiro seja utilizado.

O levantamento aponta ainda que 70% das emendas – R$ 5,9 bilhões – não tem qualquer tipo de informação sobre como os parlamentares planejaram o uso do dinheiro. Dos R$ 8,2 bilhões das emendas Pix orçados para 2024, R$ 7,4 bilhões não têm informações sequer sobre o município ou estado que receberá o repasse.

Nesses casos, aponta a organização, o dinheiro é desmembrado e distribuído a destinatários diversos, que só se torna público antes da liberação do recurso pelo governo federal.

Dados anteriores divulgados pela Transparência Brasil mostraram ainda que grande parte das emendas individuais simples no ano passado foi para municípios pequenos, onde os mecanismos de controle e fiscalização são mais frágeis.

Em 2023, segundo a análise da organização, ao menos R$ 1,4 bilhão foram enviados para cidades com até 10 mil habitantes no primeiro semestre.

Liberação de emendas Pix aumentadas em ano eleitoral

Entre janeiro e 5 de julho deste ano, o governo federal já liberou quase R$ 4 bilhões em emendas Pix para municípios brasileiros, sendo que 19 das 20 prefeituras que receberam o maior volume de dinheiro são comandadas pelo Centrão, que reúne partidos de centro e direita, não necessariamente alinhadas à base governamental nem à oposição.

A capital do Amapá, Macapá, no Norte do Brasil, cujo prefeito Antônio Furlan (MDB) é candidato à reeleição, foi campeã na coleta de emendas ao Pix, com R$ 44,3 milhões no primeiro semestre deste ano.

O repasse no valor das emendas Pix em 2024 é 248% superior ao destinado no mesmo período do ano passado, quando as transferências especiais para os municípios chegaram a R$ 1,6 bilhão, além de ser maior do que nos anos inteiros de 2022, 2021 e 2020, quando o modelo de transferência especial foi implantado.

Parlamentares defendem “carimbo” para transparência de emendas Pix

Considerando ainda que os municípios brasileiros realizam eleições para prefeito em outubro, o impacto das emendas no dia a dia da população e a interferência no resultado do pleito, muitos deputados absorveram o coro do presidente da Câmara e acreditam que é preciso compensar o modelo das emendas Pix .

Na opinião do deputado José Nelto (PP-GO), apesar de ter facilitado a trajetória do dinheiro do governo federal até os cofres das prefeituras, é preciso saber também com detalhes de que forma ele será usado, e por isso Lira estaria correta ao propor mudanças para garantir a transparência dessas emendas.

“Queremos e sempre defendemos a transparência do dinheiro dos pagadores de impostos, então essa ideia dele [Lira] de carimbar os repasses, para que os tribunais possam fiscalizar a emenda Pix, tem o apoio do Congresso Nacional”, diz o parlamentar.

Segundo o deputado, esse carimbo vai evitar que os prefeitos gastem o dinheiro da forma como quiserem e ainda útil na fiscalização, tanto pelos órgãos de controle quanto pela própria população.

A líder do Novo na Câmara, deputada Adriana Ventura (SP), também concorda que, apesar de terem nascido para agilizar a execução dos recursos públicos e garantir a autonomia aos entes federativos, ‘”o calcanhar de Aquiles” das emendas Pix sempre foi a falta de transparência, assim como de fiscalização.

“Sabemos quem indica os recursos, mas desconhecemos o que é feito na ponta com o dinheiro. Sequer sabemos a específica dos recursos. Quem fiscaliza a execução dos recursos são os órgãos de controle dos próprios estados e municípios. Ou seja, não há fiscalização” , completa a deputada.

Emenda Pix é incompatível com critérios de transparência, diz especialista

Na opinião do advogado Marcos Jorge, mestre em Direito Público, do ponto de vista técnico e jurídico, há incompatibilidade das emendas Pix com os princípios de publicidade e transparência, necessárias ao regime democrático democrático.

Para o advogado, “o próprio procedimento dessas emendas já demonstra o constrangimento da transparência no gasto público, pois, ao contrário das emendas orçamentárias regulares, onde o parlamentar deve indicar a área e o serviço no qual o valor repassado pelo governo federal deve ser investido, as emendas pix saem dos cofres públicos da União para os estados e municípios sem qualquer detalhamento do investimento Ou seja, os governos municipais e estaduais decidem onde irão investir o dinheiro repassado, sem maiores detalhamentos”.

Marcos Jorge lembra ainda que o STF definiu, em 2022, por maioria, que as emendas de relator eram inconstitucionais, justamente pela ausência de transparência, por “violar os princípios constitucionais da transparência, da impessoalidade, da moralidade e da publicidade”.

Para o consultor político Luiz Filipe Freitas, o problema com as chamadas emendas Pix é um caso periódico e “o caminho deve ser uma regulamentação para ajuste das execuções”, que deverá continuar sendo distribuídas pelo Legislativo.

Mesmo com o questionamento do STF sobre a transparência dessas emendas, o consultor acredita que a Corte se manifestará de acordo com a execução das emendas no Orçamento, mesmo que um entendimento nesse sentido beneficie o governo, que retomaria o controle das emendas e do dinheiro público.



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