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Licença-paternidade maior é trunfo, mas poucas têm – 08/10/2024 – Mercado


Com a Constituição garantindo apenas cinco dias de licença-paternidadeempresas brasileiras que desejam melhorar seus índices de atração, retenção e satisfação de funcionários veem o aumento do tempo proporcionando no benefício como um trunfo.

Contudo, esta é uma realidade de uma fatia seleta de trabalhadores. Levantamento da VR, empresa de soluções para recursos humanos, mostra que 79% dos pais tiraram os cinco dias regulares, ou seja, 8 a cada 10 colaboradores tiveram apenas o tempo estabelecido pelo regime CLT (Consolidação das Leis do Trabalho) para se afastarem do trabalho para os cuidados com o bebê. Os dados foram extraídos de uma base de 28 mil empresas que utilizam os serviços de gestão de capital humano da VR.

O gerente de projetos da Sanofi, Webster Baroni, 52, ficou afastado do trabalho por seis meses quando seu filho Noah, de 2 anos e meio, nasceu. Ele ficou responsável pelo cuidado integral do bebê, uma vez que seu marido, que é empresário e professor de educação física, não conseguiu se afastar do trabalho.

“Todos os colegas com quem eu compartilhava o fato de ter a licença ficaram surpresos ao descobrir o tempo que eu poderia ficar com o meu filho. Eles diziam: ‘nossa, como eu gostaria de ter tido esses meses quando meu filho nasceu'” , afirma.

Segundo Webster, uma iniciativa partiu da própria Sanofi. “Você se aproxima mais da família, se aproxima mais dos parentes. Crie-se uma rede solidária até dentro da empresa, com mais empatia e união entre os funcionários. Minha dedicação sempre foi muito grande, mas hoje tenho um orgulho ainda maior”, diz.

O chefe de pessoas e cultura da Sanofi Brasil, Pedro Pittella, vê vantagens como a redução do estresse e da ansiedade dos colaboradores e o aumento na conexão com a empresa. “A licença está certificada à nossa preocupação com o bem-estar dos funcionários e permite que homens e mulheres vivam com equidade o momento da parentalidade”, afirma.

De acordo com Pittella, em 2024, quinto ano do benefício na empresa, a licença alcançou 73% de adesão. Este percentual, nos dois primeiros anos de implementação, foi de 48%.

Camila Bruzzi e Caroline Burle, presidente e presidente-adjunta, respectivamente, da Coalizão Licença Paternidade, afirmam que as empresas que adotam a licença ampliada têm conseguido fortalecer a atração e retenção de talentos e a criação de ambientes de trabalho mais inclusivos, o que estimula outros empresas a seguirem a tendência. A aliança é constituída por indivíduos, empresas e instituições que atuam em prol da extensão da licença de forma remunerada e obrigatória no Brasil.

Os colaboradores da Diageo Brasil também podem usufruir de seis meses de licença. O chefe de finanças e estratégia comercial, César Silva, 37, e o diretor de marketing do cliente, Alain Lamenza, 35, são alguns dos exemplos de funcionários que optaram por ficar 180 dias com os filhos recém-nascidos.

“Minha experiência foi incrível. Além de estar perto da Manuela que é recém-nascida, pude aproveitar o Lucas, meu filho mais velho de 3 anos. Reforcei também os laços com a minha esposa, Vanessa, podendo cuidar dela nos primeiros meses da maternidade”, diz César Silva, que adicionou 20 dias de férias à licença.

“Estou há 12 anos na empresa e o que me mantém há tanto tempo são os valores e a cultura”, diz Lamenza.

Funcionários do Grupo Boticário, um dos maiores grupos do setor de beleza do país com 20 mil colaboradores diretos, também têm direito à licença ampliada. O assistente da Força de Vendas Central Rodrigo Fernandes, 32, é um deles. Na empresa há 11 meses, Rodrigo pôde usufruir de 120 dias de afastamento para cuidar da filha recém-nascida Isabella de Moura.

“O colaborador sente que ele e sua família são valorizados. Entende-se que a empresa preza pelo bem familiar. Voltei muito animado para trabalhar, com sentimento de dever cumprido”, diz.

De acordo com o vice-presidente de Pessoas e Tecnologia do Grupo Boticário, Daniel Knopfholz, no período da licença, todos os benefícios são mantidos e o salário permanece sendo pago integralmente. A licença é oferecida para homens, casais homoafetivos e pais de filhos não consanguíneoscom 120 dias obrigatórios, além de mulheres e pessoas que gestam, com até 180 dias.

“O retorno que ouvimos dos nossos colaboradores apenas reforça como o benefício estimula que homens e mulheres possam exercer o seu papel familiar igualmente. Alguns pais assumem os cuidados do bebê e dividem as tarefas da casa, além de dar o apoio emocional às suas parceiras. A licença parental universal ainda mitiga o desenvolvimento do conhecimento inconsciente de que as mulheres representam um ‘risco’ para as empresas”, afirma.

Interesse por extensão da licença cresce

O levantamento “Radar da Parentalidade”, realizado com 803 colaboradores em julho deste ano, aponta que 69% dos funcionários entrevistados acreditam que a existência de uma licença-paternidade implicava um fator relevante na decisão de um futuro pai por permanência ou troca de emprego . O benefício está entre os cinco mais importantes para eles.

O radar também revela que 82% dos pais desejam uma licença-paternidade detalhada, sendo 34% deles superior a 21 dias, 26% superior a 120 dias ou mais (igualando todas as figuras parentais) e 22% de seis a 22 dias. Apenas 11% concordam com os cinco dias atuais previstos na Constituição.

Embora seja mais comum a concessão de cinco dias de afastamento, veem-se no Programa Empresa Cidadã uma saída para tentar contemplar seus colaboradores. A licença-paternidade cidadã, instituída pela lei 11.770/08, prorroga os dias de afastamento para mães e pais após o nascimento do bebê. Para os homens, foram acrescidos 15 dias, ou seja, o tempo total de licença passa a ser de 20 dias.

O engenheiro de software Francisco Rodrigues, 29 anos, trabalha para a startup de gestão financeira Arquivei desde abril de 2020. De lá para cá, teve dois filhos. Nas duas vezes, ele teve direito a mais de cinco dias de afastamento. Com o primeiro filho, poderia ficar 20 dias de licença, já com o segundo ficou 60 dias em casa.

“Pude me dedicar 100% à paternidade. Hoje não consigo imaginar como seria todo esse processo sem o período de licença contínua. Pude participar de todos os cuidados iniciais, dar banho, botar para dormir, levar para consultas. Senti que isso fortaleceu o vínculo com meus filhos”, afirma.

A esposa de Francisco, consultora de sono infantil Crissia Rodrigues, 29, não trabalhou no regime CLT durante as duas gestações e não teve direito aos benefícios da licença-maternidade. Segundo ela, a presença do marido em casa foi fundamental para a divisão de tarefas domésticas e do cuidado com os filhos, causando uma sobrecarga no puerpério.

“Foi importante, pois é um período muito significativo para uma família. É um bebê novo chegando, com muitas demandas, uma mudança de rotina. Ter a presença do pai nesse momento é essencial. Essa é uma oportunidade que poucas mães têm”, diz .

A Arquivei, empresa em que Francisco Rodrigues trabalha, faz parte do Programa Empresa Cidadã e, por isso, aderiu à licença-paternidade de 20 dias em 2021. Porém, desde março do ano passado, estendeu o benefício para 60 dias.

Dos 331 colaboradores da empresa, 15 funcionários homens já usufruíram da extensão da licença. Desse total, 11 utilizaram também a prorrogação-paternidade da política interna, que oferece bônus financeiro, kit de bebê e plano de saúde ao recém-nascido sem desconto.

O especialista de benefícios e benefícios da Danone Brasil, Ariel Epifanio, 32, é pai de Clara Antonella, 2. Após o nascimento de sua filha, o colaborador pôde usufruir de 50 dias de afastamento, sendo 30 dias de férias e 20 dias de licença -paternidade. Segundo ele, o benefício foi estendido a um dos motivos pelo interesse em integração na empresa.

“Ter tido 20 dias de licença remunerada foi excelente, porque eu pude aproveitar melhor os primeiros dias da Clara em casa e pude ajudar minha esposa na adaptação dessa nova jornada”, afirma o colaborador, que considera a licença como um incentivo para os pais no retorno ao trabalho. “O funcionário estará mais motivado e tranquilo, sabendo que a empresa contribuiu para este momento tão especial”, completa.

Segundo a gerente sênior de RH da Danone Brasil, Giselly Viveiros, a companhia aderiu à Empresa Cidadã logo após seu lançamento, em 2008. Viveiros afirma que a Danone trata a licença-paternidade como uma licença para o segundo cuidador, ou seja, pai biológico , adotivo ou pai/mãe de uma relação homoafetiva têm os mesmos benefícios: 20 dias remunerados e opção de 30 dias adicionais não remunerados.

Aumento da licença é discutido

Tramita no Congresso um projeto de lei que prevê a alteração da licença-paternidade. O PL n° 3.773/23 visa ampliar os dias de afastamento do pai, além da criação do salário-parentalidade e da permissão para a alternância entre pais e mães nos períodos das licenças de paternidade e maternidade.

Se aprovado, a lei fará com que a licença seja ampliada para 30 dias nos seus dois primeiros anos de vigência. O projeto prevê que o afastamento aumente de forma gradual: nos terceiros e quarto anos da lei, a licença passa a ser de 45 dias; a partir do quinto ano, a duração será de 60 dias.

Há também a previsão do parcelamento em até dois períodos da licença-paternidade, sendo o primeiro de, no mínimo, metade do tempo total do benefício e tendo que ser concedido imediatamente após o nascimento, adoção ou guarda judicial. A nova lei também prevê o pagamento do salário-paternidade, nos mesmos moldes da licença-maternidade.

A CDH (Comissão de Direitos Humanos) do Senado aprovou, no início do mês passado, o projeto de lei, que seguirá para análise e votação da CCJ (Comissão de Constituição e Justiça).

“Entendo que pode haver dificuldades [na aprovação]considerando que uma grande parte dos empresários é contra a licença-paternidade ser interrompida, por entenderem que não traz benefícios ao pai e que pode atrapalhar os negócios. Entretanto, o Brasil traça caminhos que buscam garantir a igualdade de gênero, de modo que a convivência do pai com o filho nos primeiros meses de vida ganhe força significativa nesse contexto”, diz a advogada especialista em direito do trabalho, Yara Leal Girasole.

Em dezembro do ano passado, o STF (Supremo Tribunal Federal) determinou ao Congresso a aprovação de uma lei para garantir a regulamentação da licença-paternidade no país e fixou um prazo de 18 meses para que fosse votada uma legislação nesse sentido. Após o prazo, caso a determinação não fosse cumprida, caberia ao Supremo definir o período da licença.



FOLHA DE SÃO PAULO

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