Apesar de respaldado pelo plenário do Supremo Tribunal Federal (STF), as pressões contra decisões do ministro Alexandre de Moraes vêm crescendo, com ampliação de questionamentos por parte de entidades, juristas e imprensa.
A suspensão do X determinada por Moraes na sexta-feira (30) chegou a ser avaliada como uma atitude precipitada num momento em que a Corte já enfrentou críticas em relação a exageros e inconstitucionalidades.
No rol de questionamentos contra o ministro, mantém-se o inquérito das Fake News, instaurado de ofício, sem determinação clara, transparência e com duração prolongada, que o transforma em “eterno”, sem prazo de conclusão. Neste sábado, o presidente do STF, Luís Roberto Barroso, disse que o inquérito “não está longe do fim”.
Além disso, outras “brigas compradas” pelo ministro do Supremo estão no radar. Entre elas, a decisão do ministro de proibir a entrevista de Felipe Martins à Folha de S. Paulo. Martins, ex-assessor especial para assuntos internacionais do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), é investigado por suposta participação em trama golpista. Ele negou a acusação.
A entrevista foi solicitada pela Folha em junho de 2024 e a defesa de Martins com o pedido. Moraes negou a realização da entrevista em meados de agosto, sob o argumento de que poderia interferir na investigação criminal em andamento. Neste domingo, o jornal O Estado de S. Paulo criticou, em editorial, o que chamou de “festival de abusos antidemocráticos pelo Supremo Tribunal Federal (STF)”.
Além disso, Moraes tem no currículo uma série de inquéritos abertos de ofício, com decisões questionáveis e “fora do rito”, que resultaram com a censura à Revista Crusoé, em 2019, que revelou o codinome do ministro Dias Toffoli nos arquivos da Odebrecht. As reportagens do jornal Folha de S. Paulo com mensagens de WhatsApp atribuídas aos assessores de Moraes, que mostram o uso do TSE como braço investigativo do ministro contra apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro, foram outro episódio controverso recente envolvendo o ministro.
Até agora, todas as decisões tomadas pelo ministro ao plenário foram chanceladas pela maior parte dos ministros. Mas apurações dão conta de que o episódio do X divide opiniões. Moraes convocou a primeira turma para referendar a decisão nesta segunda-feira (2).
“Eu só acho que ele [Moraes] está levando para o buraco os demais 10 pares dele”, disse o jurista Wálter Maierovitch, durante comentário no UOL. “Moraes censurou a Folha de S. Paulo, o Moraes é muito complicado. E se ele não entrar na linha da constitucionalidade, legitimidade e legalidade, ele vai levar para o buraco um Supremo inteiro.”
Críticas aumentam entre juristas e entidades
A repercussão contra a suspensão do X está longe do fim. Especialistas ouvidos pela Gazeta do Povo afirmam que a decisão de Moraes viola a liberdade de imprensa e de expressão, além de ser desproporcional e descabida.
A crítica abrange desde a forma como foi feita a intimação – via perfil do X – que originou a derrubada da plataforma. O caminho certo para a intimação seria uma “Carta Rogatória”, instrumento de direito para comunicação de empresas fora do território nacional, diz o constitucionalista e especialista em Liberdade de Expressão, André Marsiglia.
Além de “desproporcional”, a medida causa danos a terceiros não investigados, é impossibilitada pelo atual ordenamento jurídico, afirmou em entrevista à CNN.
O advogado Adriano Soares da Costa disse à Gazeta do Povo que, por meio de uma decisão monocrática, Moraes cedeu um instrumento jurídico semelhante a uma Medida Provisória, “que veicula norma geral e abstrata para todos os brasileiros, em substituição ao Congresso Nacional e ao colegiado do STF, sem processo e sem rito. Um ato de poder absoluto e supremo de um ministro do STF”, avaliou.
Segundo o jurista, a decisão “é uma aberração jurídica sem precedentes”. “[Trata-se de] uma usurpação da competência do Congresso Nacional” e uma “inovação inimaginável no sistema jurídico, sem amparo na Constituição”.
Solano de Camargo, presidente da Comissão de Privacidade da OAB-SP, comparou a decisão do ministro às práticas de censura na China e afirmou que a medida tem nuances que não se aplicam ao direito internacional, causando consternação ao mundo jurídico.
“O inquérito é para verificar milícias digitais. E nesse inquérito quem pode recorrer é apenas o Ministério Público ou eventualmente algum acusado, todo o restante não pode recorrer, o X não pode recorrer. Então é uma situação em que a ampla defesa está prejudicada”, explica Camargo.
Marcelo Crespo, coordenador do curso de Direito da ESPM, diz que o bloqueio de todo o X surpreende.
“Primeiro, salta aos olhos a questão do bloqueio da plataforma inteira. É claro que pode se interpretar que a plataforma não está cumprindo decisões judiciais, pode-se interpretar que dentro da plataforma existe discurso de ódio, existem crimes, existem pessoas arquitectando o fim do Estado Democrático de Direito, mas dentro da estrutura jurídica do país, é sempre importante a gente pensar em tomar comportamentos proporcionais”, explicou o jurista à CNN.
Repercussão internacional fala em censura
Entidades internacionais têm se manifestado contra a censura do X no Brasil. A organização jurídica internacional Alliance Defending Freedom (ADF) publicou nota no sábado (31) dizendo que vai recorrer à Corte Interamericana de Direitos Humanos para tentar reverter a suspensão da plataforma no Brasil. No texto, a ADF afirma que está com os brasileiros na luta “contra a censura”.
A entidade atua há 31 anos na defesa dos direitos humanos em diversos países. “A censura do Supremo Tribunal Federal e do Tribunal Superior Eleitoral viola a legislação internacional”, afirmou, ressaltando que a comissão tem autoridade sobre o Brasil, conforme a Convenção Americana.
Além disso, a entidade espanhola Foro de Madrid afirmou que a decisão do ministro Alexandre de Moraes “atenta contra a liberdade de expressão e os direitos dos brasileiros”. A entidade, contraponto ao Foro de São Paulo, de esquerda, diz ser uma organização que defende a liberdade, a democracia e o Estado de Direito, e critica a medida como uma violação à Constituição Federal do Brasil e aos acordos internacionais de direitos humanos.
Imprensa internacional relata embate
No âmbito da imprensa internacional, jornais e portais de notícias do mundo inteiro repercutiram a decisão desde sexta-feira, explicando as causas do debate e enfatizando a liberdade de expressão.
“A proibição do X colocaria o Brasil entre um grupo de nações autocráticas, como a Coreia do Norte e a Venezuela, que também proíbe a plataforma”, diz o texto do jornal britânico Financial Times.
O título do Wall Street Journal neste sábado (31/8) destacou o efeito aos brasileiros. “Brasil proíbe X, criminalizando o acesso ao aplicativo para milhões”.
“Grandes camadas da direita política do Brasil ficaram do lado de Musk, acusando a Suprema Corte e o governo de esquerda do país de tentar silenciar os conservadores antes das eleições de outubro”, escreveu o jornal.
O jornal argentino Clarín chamou de “duríssimas” as multas por uso de VPN contra suspensão do X.
O The New York Times destacou a decisão como um “teste significativo” para Musk e sua visão de liberdade de expressão.