sábado, outubro 5, 2024
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Ataques ao X e ao Starlink prejudicam a segurança jurídica e impedem investimentos



A decisão de bloquear X, juntamente com o congelamento dos ativos da Starlink — com o objetivo de garantir que o provedor de internet pague as multas impostas pelo juiz Alexandre de Moraes na plataforma de mídia social — levantou preocupações sobre a incerteza jurídica no Brasil, de acordo com especialistas entrevistados pela Gazeta do Povo.

Eles alertam ainda que ambas as decisões impactam negativamente o investimento estrangeiro no país e prejudicam setores-chave da economia nacional, incluindo a criação de empregos e a geração de renda. A decisão de bloquear X foi mantida por unanimidade pela Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal na segunda-feira (2), enquanto na sexta-feira (30), o ministro Cristiano Zanin rejeitou o recurso da Starlink para suspender o bloqueio de suas contas bancárias.

Segundo Hugo Garbe, professor de Economia da Universidade Presbiteriana Mackenzie, as decisões de Moraes e do STF minam a segurança jurídica do Brasil. Garbe explica que o arcabouço legal de um país é um fator crucial na avaliação de risco de investimento. Embora indicadores como taxas de juros possam ser previstos, questões legais são frequentemente altamente imprevisíveis. Como resultado, decisões como as de Moraes e do STF têm um impacto significativo na avaliação de risco do país.

O especialista observa que “o capital é covarde”, um ditado comum no mundo dos investimentos que reflete a aversão dos investidores ao risco. Nesse contexto, qualquer instabilidade jurídica pode afetar seriamente as decisões dos fundos de capital internacionais — dos quais o Brasil depende muito — sobre investimentos em empresas do país. Garbe ressalta que 60% dos recursos do mercado de ações brasileiro vêm de investidores internacionais, e o bloqueio das contas da X e da Starlink pode levá-los a reconsiderar suas estratégias de investimento.

Marcelo Faria, CEO do think tank Instituto Liberal, sediado em São Paulo, explica que se os investidores virem um juiz bloqueando as contas de empresas internacionais e banindo plataformas de mídia social com base em decisões questionáveis, eles podem pensar duas vezes antes de colocar seu dinheiro no Brasil. “Você ainda investiria milhões de dólares em um país assim ou procuraria em outro lugar? A resposta parece óbvia”, ele diz.

Além disso, Faria ressalta que há destinos alternativos de investimento na região, como a Argentina, que agora caminha para a liberdade econômica, menor interferência estatal e maior segurança jurídica.

O próprio Musk foi um dos primeiros a alertar sobre o impacto das decisões de Moraes nos investimentos no Brasil na quinta-feira (29), antes da plataforma de mídia social ser suspensa.

Em uma publicação no X, Musk apoiou as alegações do jornalista Michael Shellenberger, uma das principais figuras por trás das revelações do Twitter Files no Brasil. Shellenberger argumentou que o país havia se transformado em uma “ditadura” liderada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva e pelo juiz Moraes, que ele disse estarem “esmagando a liberdade de expressão e o livre mercado”. Ele afirmou ainda que “o Brasil não é mais um destino seguro para investimentos estrangeiros, e sua moeda deve refletir isso”.

Grande investidor diz que o Brasil está se tornando “ininvestível” após suspensão do X

No domingo, 1º de setembro, depois que o X já estava bloqueado no Brasil, o investidor americano Bill Ackman se manifestou. O fundador da Capital da Praça Pershinguma empresa de gestão de fundos de hedge que supervisiona US$ 18 bilhões (R$ 88,4 bilhões) em ativos, declarou que “o fechamento ilegal da X e o congelamento das contas da Starlink estão rapidamente colocando o Brasil em um caminho para se tornar inviável para investimentos. A China fez movimentos semelhantes, levando à fuga de capital e ao colapso das avaliações. O mesmo acontecerá com o Brasil, a menos que eles rapidamente revertam essas ações ilegais.”

Hugo Garbe ecoou as preocupações de Ackman, enfatizando que fundos de investimento como Pershing Square têm diretrizes rigorosas de gerenciamento de risco, com a segurança jurídica sendo o fator mais crucial. Ele observou que o perfil de risco do Brasil já havia se deteriorado em apenas duas horas após Moraes anunciar o bloqueio de X na sexta-feira (30).

Ele explica que isso cria um efeito cascata: menos investimentos levam a menos capital fluindo para o mercado de ações, deixando as empresas com recursos limitados para levantar. Com fluxo de caixa reduzido, as empresas não conseguem prosseguir com planos de expansão, construir novas fábricas, criar empregos ou aumentar salários. No final das contas, é a população brasileira que mais sofre com essas consequências.

Garbe também destaca um potencial impacto invisível: o número de empresas que podem ter planejado investir no Brasil, abrir fábricas ou expandir suas operações, apenas para suspender seus planos ou adotar uma abordagem de esperar para ver em relação ao ambiente legal do Brasil. “Essas decisões bizarras mostram uma falta de entendimento econômico por aqueles que as tomaram”, disse o professor.

Marcelo Godke, especialista em Direito Empresarial e Mercado de Capitais, compartilha dessa visão. Ele acrescenta que países com histórico de respeito à liberdade de expressão não verão com bons olhos a decisão de bloquear X. “Um empreendedor europeu ou americano típico fica muito hesitante em investir aqui porque começa a ver que não há uma estrutura legal adequada. Isso acabará sendo prejudicial à imagem do país como um todo”, explica.

Congelamento de ativos da Starlink piora a incerteza jurídica

O congelamento das contas da Starlink no Brasil foi uma medida ainda mais drástica, exacerbando ainda mais a incerteza jurídica, de acordo com Garbe. A ordem de Moraes foi tornada pública no final da semana passada.

A empresa é afiliada à SpaceX, que é especializada em lançar foguetes, implantar satélites e promover viagens espaciais. No entanto, nem a SpaceX nem a Starlink têm qualquer conexão direta com a X, pois não fazem parte do mesmo grupo corporativo, onde entidades legais separadas colaboram por interesses compartilhados.

Essa separação se aplica tanto no Brasil quanto nos Estados Unidos, onde ambas as empresas estão sediadas. Além disso, Musk é apenas um acionista minoritário da Starlink, detendo 42% de suas ações. Em outras palavras, o tribunal congelou os ativos de um provedor de internet — não relacionado a X — para garantir o pagamento de multas aplicadas à plataforma de mídia social.

Segundo Marcelo Godke, o Brasil já tinha problemas com seu sistema de justiça trabalhista, que muitas vezes não respeita a lei empresarial, e com autoridades fiscais que, em sua visão, “só estão focadas em aumentar impostos, sufocando a atividade econômica. Agora, medidas como essa deixam ainda mais claro que as empresas não têm proteção alguma.”

Como resultado, ele argumenta que o Brasil se tornará um destino cada vez menos atraente para investidores. Apesar de sua grande população, Godke observa que o mercado brasileiro tem pouco apelo para muitas empresas devido à baixa renda média. Além disso, o país carece de uma estrutura de verdadeira liberdade econômica.

No sábado (31), o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), disse a participantes de um evento do mercado financeiro que as questões jurídicas em torno de Musk “jamais deveriam ter escalado a ponto de envolver as contas da Starlink”.

“Isso não é uma preocupação minha, mas de investidores, de muitas pessoas que têm negócios no Brasil. É sobre insegurança jurídica. Posso estar errado, mas a personalidade jurídica de uma empresa é completamente diferente da outra. É por isso que esse congelamento gera preocupação”, disse Lira.

O apresentador de TV Luciano Huck também manifestou desacordo com a decisão. Falando em um evento promovido pela Esfera Brasil no Rio de Janeiro, Huck disse que era contra o congelamento dos ativos da Starlink.

“Sou contra o que aconteceu hoje. Acho terrível para o Brasil quando o judiciário interfere com tanta força nas operações cotidianas das empresas. Isso cria uma incerteza jurídica desnecessária. Precisamos de segurança… Estamos em um momento em que precisamos sentar, conversar e entender as mudanças que estão acontecendo”, disse Huck.

A Esfera Brasil se descreve como uma organização que fomenta o pensamento e o diálogo sobre o Brasil, um think tank que reúne empreendedores e a classe produtiva.

Huck estava ao lado do governador do Rio, Cláudio Castro (PL), que também reforçou a necessidade de diálogo e disse que os usuários das redes sociais precisam ter “coragem” de se posicionar contra autoridades, incluindo lideranças políticas.

Sobre o congelamento dos bens da Starlink, Marcelo Faria, do Instituto Liberal, fez referência à Lei 13.874/2019, também conhecida como ‘Lei da Liberdade Econômica’, que alterou o Código Civil para esclarecer que ‘uma pessoa jurídica é distinta de seus acionistas, associados, fundadores ou diretores’, exceto em casos de fraude, atividade criminosa ou uso indevido de ativos corporativos.

Faria argumenta que, ao congelar as contas da Starlink — uma empresa de capital aberto em Nova York, onde Elon Musk detém apenas 42% das ações — Moraes “envia mais uma mensagem” aos investidores internacionais. Essa ação retrata o Brasil como um país instável, onde um juiz da Suprema Corte pode bloquear arbitrariamente as contas de uma empresa global ou suspender sua atividade principal — como visto com X — à vontade.

O bloqueio do X e da VPN impacta todo um setor da economia

Além dos impactos externos, o bloqueio também tem efeitos diretos na economia nacional. Pedro Magalhães, cofundador e CTO do Ether Private Bank, explica que as consequências financeiras do bloqueio de X são imensas, pois muitas empresas dependem de plataformas de mídia social para publicidade, marketing e até mesmo vendas de produtos.

Essas plataformas também fornecem às empresas dados valiosos de usuários para esses propósitos. Além disso, influenciadores de vários nichos dependem da monetização de seus perfis como uma fonte consistente de renda.

O impacto vai ainda mais longe. Magalhães explica que as ferramentas operacionais da X são integradas a muitos outros negócios, e perder o acesso pode prejudicá-los severamente. Algumas das soluções tecnológicas da plataforma são usadas por startups para tarefas como autenticação (verificação de acesso a dispositivos ou sistemas) e para desenvolvimento de ferramentas, que dependem dos códigos e recursos exclusivos da X.

Segundo o empreendedor, toda essa cadeia foi simplesmente cortada da noite para o dia. Uma comparação seria se o governo proibisse repentinamente empresas que fornecem serviços básicos, como CSN ou Petrobras, de operar. No caso da X, migrar para outras plataformas não é uma opção, pois as soluções fornecidas pela big tech são únicas.

Outra questão é a disposição das empresas globais de tecnologia de lançar produtos no Brasil. “Se X fosse bloqueado, o que impediria que aplicativos de IA ou outras tecnologias enfrentassem a mesma insegurança jurídica amanhã? Todo o mercado desacelera, e as empresas podem preferir lançar seus produtos em outros países”, diz ele.

Junto com a suspensão do X no Brasil, Moraes impôs uma multa de R$ 50.000 por dia para qualquer um que use a plataforma enquanto ela permanecer bloqueada. Isso se aplica, por exemplo, a pessoas que acessam o X por meio de VPNs.

Sobre as VPNs, Magalhães explica que a tecnologia é muito utilizada por algumas empresas por questões de segurança, e restringir seu uso as obriga a repensar seus procedimentos.

Starlink pode ser banido do país, aumentando a incerteza jurídica

A situação pode piorar. Na segunda-feira (2), o presidente da Anatel, Carlos Baigorri, afirmou que a Starlink pode perder a licença para operar serviços de comunicação no Brasil. Essa penalidade pode ser aplicada caso seja constatado que a empresa está desobedecendo ordens judiciais, como a de suspender o acesso ao X, conforme determinação do ministro Alexandre de Moraes.

A Starlink se tornou a maior provedora de banda larga via satélite do Brasil este ano, atendendo 200.000 usuários. A empresa desempenha um papel crucial no fornecimento de acesso à internet para a Amazônia Legal do Brasil, com antenas instaladas em 90% dos municípios da região, conforme relatado pela BBC News no Brasil. A maioria desses municípios está em áreas remotas sem infraestrutura de banda larga tradicional.

Marcelo Faria destaca que a Starlink não só fornece acesso à internet para assinantes privados, mas também para equipamentos militares, navios da Marinha, hospitais e escolas públicas em áreas remotas do país. Sua saída do Brasil teria repercussões significativas.

Após seu recurso inicial ter sido negado pelo Juiz Zanin na sexta-feira (30), a Starlink apresentou um novo pedido na segunda-feira (2), pedindo que ele reconsiderasse o congelamento de ativos, argumentando que ele foi imposto sem dar à empresa uma oportunidade justa de se defender, de acordo com G1.



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