sábado, outubro 5, 2024
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Nunes Marques pode bloquear o bloqueio do X



O ministro Kassio Nunes Marques, do Supremo Tribunal Federal (STF), tem o poder de, sozinho, reativar o funcionamento da rede social X em todo o país. Está na mesa do magistrado uma ação do Partido Novo que busca suspender a decisão do ministro Alexandre de Moraes, confirmada nesta semana pela Primeira Turma da Corte, que bloqueou o funcionamento da plataforma por tempo indeterminado.

A ação do Novo foi protocolada no início da tarde da última segunda-feira (2) e foi encaminhada a Nunes Marques por sorteio. Até o momento, como relator, ele não despachou no processo. A ação inclui um pedido de liminar – decisão que pode ser tomada de forma individual pelo relator, “em caso de extrema urgência ou perigo de lesão grave” a algum preceito fundamental.

O Novo argumento de que as decisões de Moraes e da Primeira Turma violam o direito fundamental à liberdade de expressão e de opinião, a garantia fundamental do devido processo legal, além dos princípios democráticos, da proporcionalidade, e da lisura das eleições, todos contemplados pela Constituição de 1988.

Apesar do poder de reativar o X, uma decisão nesse sentido é vista como extraída por especialistas consultados pela reportagem. É mais provável, segundo eles, que Nunes Marques leve uma decisão ao plenário do STF, formado por todos os 11 ministros da Corte. A decisão de suspender o X, até o momento, teve a anuência de cinco membros do tribunal, que compõem a Primeira Turma: Moraes, Flávio Dino, Cristiano Zanin, Cármen Lúcia e Luiz Fux – estes últimos eventos com a medida, mas fizeram ressalvas . Fux afirmou que ela não poderia atingir pessoas de forma indiscriminada, já que não faz parte do processo envolvendo o X.

Os pedidos do Novo na ação contra o bloqueio do X

A ação do Novo pede não apenas a reativação da rede social, mas também o desbloqueio das contas da Starlink, empresa ligada ao dono do X, Elon Musk, que fornece conexão à internet por satélite. Moraes entendeu que, por pertencer ao mesmo grupo econômico, a companhia deveria também arcar com multas que somam R$ 18,3 milhões à rede social por descumprimento de decisões judiciais que ordenaram a suspensão de perfis.

Há também um pedido para cancelar a multa diária de R$ 50 mil imposta a todo e qualquer usuário que acesse o X no Brasil, por meio de VPN (“rede privada virtual”) – tecnologia de segurança que impede a localização do dispositivo. Os especialistas consideram que há mais probabilidade de reversão nessas últimas duas decisões.

O fim da multa para quem acessa a plataforma também foi pedida pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), numa ação à parte, também encaminhada para Nunes Marques, por ser o relator da ação do Novo.

Mesmo concedendo liminar, a decisão de Nunes Marques terá que ser aprovada pelo plenário

Uma decisão liminar monocrática de Nunes Marques sobre qualquer um dos pedidos, embora possível, é vista como convidada, já que bateria de frente com a deliberação de outros cinco ministros do STF. A submissão dos pedidos ao plenário, por outro lado, gostaria de ala dos ministros que não participaram da decisão da Primeira Turma e que ficaram contrariados com a decisão de Moraes de limitar a análise do caso a esse colegiado.

Ficaram de fora da deliberação, até o momento, os próprios Kassio Nunes Marques, André Mendonça, Gilmar Mendes, Dias Toffoli e Edson Fachin. A principal expectativa é que os dois primeiros, indicados pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), abram divergências em relação à suspensão do X, ao bloqueio das contas da Starlink, e à multa para quem acessar a rede social.

O tipo de ação proposta pelo Novo e pela OAB – a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) –, ao contrário de petições criminais comuns (como a que levou à suspensão do X), é julgada de forma colegiada no plenário. A decisão sobre ela depende de uma maioria de ao menos 6 votos dentre os 11 ministros da Corte.

Mesmo uma decisão liminar monocrática de Nunes Marques também teria de ser avaliada pelo plenário. O pedido de desbloqueio das contas da Starlink é o que tem maior possibilidade de ser acatado, na opinião dos juristas consultados. Eles afirmam ainda que há razões jurídicas para que o relator conceda essa liminar.

Para o advogado Solano de Camargo, doutor em Direito Internacional Privado, especialista em Direito Digital e professor da Universidade de São Paulo (USP), a ADPF é uma medida “muito poderosa” no sistema processual brasileiro. “Uma vez aceita a competência do Supremo para apreciar o processo, o relator passa a ter o poder de decidir sobre a suspensão de todas as medidas, sejam elas administrativas ou judiciais, que correspondam ao objeto do preceito fundamental que estaria sendo violado”, diz .

Se Nunes Marques optar por acatar os pedidos integralmente e conceder uma liminar, a decisão de Moraes sobre a suspensão do X no Brasil é derrubada até que o plenário se posicione. Assim, as contas da Starlink serão desbloqueadas e as multas pelo uso de VPN também não poderão mais ser aplicadas.

Tendência é de que Nunes Marques acate apenas parte dos pedidos na ação do Novo

Atender ao pedido de liminar para suspender a decisão de Moraes e da Primeira Turma é a opção mais difícil. Qualquer ministro, incluindo Nunes Marques, se incomoda com a possibilidade de ter uma decisão sua derrubada por outra numa ação diferente. Mais ainda se a decisão já tiver sido referendada por outros quatro, como é o caso do X.

A professora de Direito Constitucional Vera Chemim cita, como exemplo, a Súmula 606 do STF, que impede que a apresentação de novo habeas corpus – ação externa para garantia da liberdade de alguém preso ou preso a ser – a algum colegiado da Corte para retirada decisão já foi ferido por um dos ministros. A súmula é um resumo de um entendimento majoritário sobre determinado tema, resultante de uma série de decisões sobre casos semelhantes.

Chemin diz que a súmula não se aplica às ADPFs. “Acho difícil, do ponto de vista constitucional, [que o relator] venha a cometer a loucura de argumentar sobre essa súmula, pois se trata de diferentes processos. Se fosse a mesma coisa, no mesmo processo, eu ainda admitiria a posição de adotar a súmula”, diz.

A possibilidade de decidir sozinho, por meio da chamada decisão monocrática, sobre a concessão de liminar no processo é respaldada pela lei que regulamenta a tramitação das ADPFs. Ao tratar do processo e do julgamento dessas ações, a Lei 9.882/1999, diz que em caso de extrema urgência ou perigo de lesão grave a preceito fundamental, o relator da ação pode a liminar. Ela tem validade imediata, mas deve ser apreciada pelo plenário.

Para Chemim, a questão do X é urgente e relevante. “Essa medida remete à proteção de um direito suscetível de dano grave e de peças incertas. Isso significa que temos milhões de pessoas que estão sendo prejudicadas com essa decisão do Moraes, do ponto de vista econômico”, explica o jurista.

Para Solano de Camargo, o posicionamento liberal demonstrado pelo ministro Nunes Marques indica que ele deve conceder, pelo menos em partes, a liminar requerida na ADPF do Novo.

“Existe uma possibilidade concreta, do ponto de vista jurídico, processual, e do direito internacional, assim como grande parte dos entendimentos, que a decisão foi exagerada e desproporcional. Portanto, existem razões jurídicas para suspender a eficácia dessa decisão. Sendo assim, é possível que ele reavalie alguns dos pontos”, afirma o advogado.

Questionado sobre os trechos sobre os quais o ministro Nunes Marques deve decidir monocraticamente, Camargo informa que o desbloqueio das contas da Starlink tem grande possibilidade de ser atendido. Outra ação da própria empresa com esse objetivo, mas de um tipo diferente – mandado de segurança – foi rejeitada pelo ministro Cristiano Zanin.

A advogada Vera Chemim tem entendimento semelhante. “Se optar por ser mais diplomático, ele pode decidir somente pela suspensão do bloqueio das contas da Starlink e submeter a questão do bloqueio do X ao plenário. Neste caso, ele argumentaria, por exemplo, que embora haja um acionista comum às duas empresas, isso não permite o bloqueio das contas da empresa não diretamente relacionadas”, explicou.



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